Brasil
HC de Barretos usa técnica inédita contra doença que causa leucemia em crianças
Segundo hospital, associar medicamento ao transplante de medula dos pais, com compatibilidade genética parcial, elevou chances de cura de 10% para 60% em pacientes com mielodisplasia
Ao combinar o uso de um medicamento com um transplante alternativo de medula óssea, o Hospital de Câncer de Barretos (SP) confirma ter elevado em seis vezes as chances de cura da mielodisplasia, doença que prejudica a formação de células do sangue que atinge seis milhões pessoas no país e causa um tipo raro de leucemia.
O centro médico, responsável por descobrir a incidência da doença em crianças em 1989, confirma ter conseguido resultados positivos ao utilizar a azacitidina - remédio conhecido por ajudar a prolongar a vida de pacientes à espera do transplante e reconhecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tal finalidade - com o transplante haplo, ou seja, com órgãos doados por pais, que têm, em média, 50% de compatibilidade genética.
"É uma mudança de paradigma, porque de um perfil que era menos de 10% de cura pra um subtipo especifico de mielodisplasia, hoje com a medicação e os transplantes disponíveis, chegamos a uma expectativa de 60%. Nós acreditamos que a gente tá a cada dia aprendendo a lidar melhor com essa doença", afirma o médico oncologista Luiz Fernando Lopes.
Mielodisplasia
Foi Lopes quem descobriu que a mielodisplasia não era exclusividade de idosos. Segundo ele, isso aconteceu em 1989, com uma criança de 9 anos que tinha todos os sintomas de uma leucemia, mas com alterações celulares relevantes.
"A partir dai fui investigar o que era aquilo que nós estávamos vendo, aí descobrimos que essa doença não era restrita somente a pacientes idosos, mas que eu estava vendo ali uma criança de 9 anos com uma doença que a gente não tinha classificado corretamente. Não era uma leucemia, então passei a entender que estava diante de uma situação nova", explica.Conhecida até então como pré-leucemia, a mielodisplasia está associada a um comportamento mais agressivo da criança, meses antes de se diagnosticar uma leucemia mielomonocítica juvenil.
Dez anos depois, as equipes do hospital começaram a adotar o transplante de medula óssea como alternativa, mas, sozinho, este não se mostrava totalmente eficiente, afirma Lopes.
"No país, o problema é que o transplante acontece, mas a gente leva meses, passa de um ano, o tempo da busca e de encontrar um doador compatível e as crianças com essa doença não podem esperar esse tempo. Porque a leucemia vem antes e mata a criança antes."
Para tentar driblar a espera por uma medula 100% compatível, passou-se a utilizar, então, um medicamento capaz de estabilizar a doença por, em média, dois anos, conforme mostravam experiências na Alemanha.
"A partir dai, em 2013, nós trouxemos toda nossa equipe de pesquisa, de tratamento, para Barretos. Passamos a usar essa medicação aqui sistematicamente, para um tipo específico dessas mielodisplasias e hoje a gente consegue ter o tempo necessário até achar um doador", confirma o oncologista.
Medula 50% compatívelMas, recentemente, os médicos adotaram um procedimento inédito de utilizar, em último caso, a medula óssea dos pais da criança em tratamento, que, em média, tem 50% de compatibilidade genética.
"A opção número um é sempre procurar um doador 100% compatível. Se a gente vê que essa droga está estabilizando a medula e está deixando esse tempo passar sem prejudicar a criança, nós esperamos. Se a gente vê que a doença está mostrando sinal que ela não vai conseguir segurar e que a criança começa a mostrar alguns dados clínicos de laboratório que vai se transformar, a gente usa o pai ou a mãe."
Com isso, os profissionais perceberam que as chances de cura para a mielodisplasia subiram de 10% para 60%. "Na Europa não tem essa experiência de usar o pai e a mãe para essa doença. Tem de usar o pai ou a mãe para outros transplantes, mas não para essa doença, porque lá eles acham muito rápido. O único centro que tem a experiência de utilizar o transplante de pais para esta doença é em Barretos. Estamos falando de uma progressão", afirma o oncologista do HC.
Segundo a médica Neysi Villela, oncologista pediátrica do Hospital de Câncer de Barretos, o transplante haplo não é o ideal para a cura da doença, de um modo geral, mas para situações específicas como esta tem mostrado resultados animadores nos últimos dois anos.
"O transplante haplo já vem sendo estudado nos últimos anos, com sucesso, principalmente em adulto e mesmo na leucemia de criança. Mas para essa doença especificamente, principalmente para leucemia miolomonocitica juvenil, aqui no Brasil não tinha. No mundo inteiro também não, porque lá fora é mais fácil conseguir doador. Nosso ineditismo foi aplicar esse tipo de transplante para essa doença específica."
Até agora, mais de 600 crianças foram submetidas a essa técnica, segundo o hospital. Dentre elas está José Dino, de 4 anos, filho do caminhoneiro Anderson Correa. Ele saiu da Bahia em busca da cura para a criança e se diz feliz com os resultados apresentados. A medula doada foi infundida na criança em 4 de agosto deste ano e foi aceita pelo organismo.
"Hoje eu falo que ele está curado. Me sinto realizado, quando ve um filho assim, nessa recuperação surpreendente a gente fica muito contente de poder um filho brincando contente e brincando normal", afirma.Apesar dos resultados positivos, a eficácia da combinação do medicamento com o transplante paterno ou materno na cura da mielodisplasia, bem como a variação do resultado de um para outro paciente, ainda estão em estudo dentro do laboratório de estudos moleculares da unidade em Barretos.
"Se aprendermos a lidar com essa diferença, talvez a gente vá tratar todas de forma individualizada, que é o que chamamos de terapia-alvo, em que nosso tratamento será dirigido para aquela criança baseado no componente genético daquela criança com as ferramentas que a gente já tem disponível."
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