Brasil
Aprovados em concurso da PM-RJ de 2014 vivem a agonia de esperar a convocação
Candidato raspou tatuagens para se adequar a norma que caiu, mas ainda não foi convocado. Desde que foi realizada a prova, apenas 1.175 pessoas foram chamadas para 4.764 vagas
Há quase três anos, as vidas de cerca de quatro mil aprovados em concurso para soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro de 2014 permanecem estagnadas. Dados da corporação indicam que, desde a realização da prova, apenas 1.175 pessoas foram convocadas, ainda que 4.764 vagas continuem disponíveis. No mesmo período, já poderiam ter ingressado no Curso de Formação de Praças mais do que o dobro de recrutas, aproximadamente três mil militares.
Durante a bonança dos governos de Sérgio Cabral - antes da prisão do ex-governador e revelações da Operação Lava Jato - a Polícia Militar formava entre 500 e 600 soldados por semestre. De acordo com um oficial ouvido pelo G1, os quatro mil aprovados que esperam ser chamados representariam um contingente que equivale, atualmente, à soma dos efetivos de sete batalhões. Ele também conta que, hoje, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap) tem apenas 180 recrutas prestes a se formar.
Os prejuízos, no entanto, vão além dos necessários reforços ao efetivo da corporação, que conta com cerca de 47 mil homens. São sonhos que ficaram pelo caminho, vidas interrompidas pela crise financeira e pela calamidade estadual. A penúria dos cofres públicos, inclusive, é a razão dada pela PM para não convocar os aprovados. Em nota, a corporação informou que os custos anuais para formar soldados giram em torno de R$ 96 milhões.
"É muito difícil. Muito difícil você sair para procurar emprego sabendo que você foi aprovado num concurso público, que você conquistou a sua vaga e, até agora, nada (...) Sendo que, hoje, a situação que a gente [os aprovados no concurso] vive, é uma situação de angústia, agonia. Nossas vidas estão paradas. Não conseguimos emprego...", desabafa um dos aprovados no concurso.
O caso do homem, que prefere não se identificar, é um dos mais emblemáticos. Atualmente desempregado, João (nome fictício) raspou a pele dos antebraços, que eram totalmente tatuados, para garantir que entraria na PM. Foram cinco meses de antibióticos e acompanhamento médico 24 horas. Isso porque, em 2014, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia julgado inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público.
"À laser [retirar as tatuagens] era impossível, então, eu parti para um procedimento mais complicado que seria a raspagem. E os médicos falaram para mim que era impossível. Inclusive, um, falou que era para eu procurar outra profissão. Após essa afirmação desse médico, eu tive a extrema certeza que eu seria policial militar. Porque quando as coisas ficam mais difíceis, parece que a vitória é até maior", disse.
Candidatos cobram definição de data
Assim como João, outros candidatos aprovados estão à espera de uma data definitiva para a convocação. Na última semana, uma das emendas ao projeto de lei que pretendia estender o estado de calamidade até 2018 beneficiava os candidatos aprovados. De autoria da deputada estadual Martha Rocha (PDT), o texto aprovado pela Casa estabelece que eles devem ser convocados até dezembro do próximo ano.
Ainda assim, os postulantes querem uma data específica para que isso ocorra. Aos 25 anos, Stephanie Siqueira vive na Região Serrana do Rio, em Teresópolis, e trabalha como manicure. A jovem evita estabelecer vínculos empregatícios por não saber quando será convocada. Desanimada com a demora no processo, ela ainda espera que o governador Luiz Fernando Pezão sancione a lei e cobra mais organização na realização dos próximos concursos.
"[A decisão da Alerj] Não mudou muita coisa. Sabemos que uma hora vai chamar, mas não sabemos quando. Não há prazo. Eles têm que chamar até dezembro de 2018. [O concurso] Foi uma desorganização total por parte da banca. Não há classificação. Eu passei entre as 100 primeiras e ainda não fui chamada", reclamou.
Concorda com ela Muryllo de Andrade, de 26 anos. Atualmente Muryllo está empregado numa empresa Offshore, mas está apreensivo porque o contrato termina em 2018. O jovem morador de São Fidélis, município do interior do Rio, conta que a crise estadual o tornou mais receoso. Ele já não enxerga o funcionalismo público como antes. "Receio a gente tem, mas todos que fizeram, creio eu, foi mais com o objetivo de realizar um sonho", explica.
Articulação contra veto
A Alerj aprovou a emenda que garante a convocação dos aprovados no concurso da PM. Ainda assim, existe a possibilidade de o governador vetar a emenda. Nesse caso, o projeto voltaria para o Palácio Tiradentes, que poderia derrubar o veto de Pezão. É o que promete a deputada Martha Rocha, autora da proposta.
"Quando vamos discutir a questão da segurança pública, todos os representantes falam do baixo efetivo. Se ele vetar, volta ao plenário e vamos trabalhar para derrubar o veto", disse a parlamentar.
Sobre o estabelecimento de datas específicas para a convocação, a deputada esclareceu que a intenção é que, ao menos, o governo estipule um cronograma para chamar os aprovados. Como nos últimos anos o número de convocados tem diminuído, Martha Rocha afirmou que espera que a "a nova estratégia (de convocação) seja outra". Por exemplo, que o Estado consiga chamar mais pessoas por semestre.
Questionado sobre as perspectivas de aprovação do projeto, o Palácio Guanabara informou que não há previsão para a sanção.
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