Brasil
Cascavéis invadem loteamento de alto padrão em Campinas
Cerca de 80 serpentes de várias espécies foram capturadas nos últimos nove meses
Moradores de um loteamento de alto padrão em Campinas (SP) têm sido surpreendidos por uma invasão de cascavéis - espécie venenosa -, dentro e fora das residências, desde julho de 2016. Segundo a presidente da Associação de Moradores, Lorene Scheidt, cerca de 80 serpentes foram encontradas no local nos últimos nove meses. Nesta segunda-feira (20), uma moradora sofreu uma picada e foi encaminhada para o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Ela foi a primeira vítima registrada.
"Ela estava passeando com os cachorros na mata. É uma área de reserva, ela estava na calçada, mas na região da mata", explica Lorene. Além de cascavéis, no período também foram encontradas cobras-cipó, cobras-coral e uma jararaca. A espécie que picou a moradora não foi identificada até esta publicação.
“Ela não teve reação nenhuma, estamos achando que pode ter sido uma cobra sem veneno, ela não conseguiu identificar", conta a presidente da associação. A moradora recebeu alta na manhã desta terça (21) após 12 horas em observação no HC.
O acidente aconteceu no Loteamento Residencial Shangrilá, no Parque Shangrilá, próximo a uma área rural da cidade onde a integração com os animais é comum. No entanto, a ocorrência de cobras em grande quantidade não tem precedentes no local.
“Teve fim de semana que já capturamos nove [cobras], uma adulta e oito filhotes [...] A gente tem quatro alqueires de mata nativa aqui dentro, é uma diversidade muito grande. Tudo que é silvestre, a gente preserva", diz Lorene.
Para evitar que as serpentes sejam mortas - crime ambiental com pena de até um ano de prisão -, uma equipe do residencial faz a captura e aciona o Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA) da Prefeitura que, enfim, as retira do local.
A cascavel está entre as mais perigosas. Caso haja demora em iniciar o atendimento, a vítima pode sofrer insuficiência renal aguda e respiratória, que pode levar à morte.
Uma jararaca também foi capturada no residencial em Campinas (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
Incêndio e colheita causaram desequilíbrio ambiental
O local é cercado por fazendas com diferentes plantações. Desde julho do ano passado, ocorreu a colheita de milho na região e um incêndio também destruiu parte da vegetação. Ratos que viviam neste espaço - principal alimento das serpentes - deixaram a área verde e começaram a aparecer no loteamento.
“Teve gente que contou mais de 50 ratos nesse tempo, até boiando na piscina”, relata um morador, que preferiu não ser identificado pela reportagem.
Com o surgimento dos primeiros roedores, duas cascavéis foram encontradas na frente de uma residência. Elas estavam em uma tubulação e o resgate, que teve apoio do Corpo de Bombeiros, durou aproximadamente 12 horas, conta o morador. Foi o primeiro caso.
Moradores e bombeiros participam de captura de cascavel (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
“É o ciclo natural. Elas [serpentes] comem ratos, sapos, anfíbios, pequenas aves, depende da cobra. Mas, o rato acaba sendo o principal fator”, explica a bióloga Giselda Person sobre o motivo que levou os animais ao Shangrilá.
“A região sempre foi conhecida como paraíso das cascavéis [...] Mas, o pior é que estão aparecendo dentro da casa das pessoas, elas estão conseguindo entrar na sala, cozinha, não é nem quintal mais”, diz o morador.
O diretor do Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal da Prefeitura, Paulo Anselmo, explica que a Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável já acompanha o caso há seis meses.
“A primeira vez que nós fomos chamados lá foi por uma infestação de roedores silvestres, eles estavam na área externa e acabaram se refugiando [...] para o condomínio. Em relação às serpentes, elas já estavam na região. Elas vieram da própria região para dentro do condomínio por causa do impacto no ambiente, que foi a colheita e a queimada”, informa Anselmo.
Cobra-cipó também foi capturada no local (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
Polêmica após captura
A captura das cobras envolve os responsáveis pelo residencial, o órgão municipal DPBEA e, também, os moradores. Dois seguranças do loteamento foram treinados para fazer o resgate dos animais, segundo a administração do local. No entanto, a equipe do departamento de proteção ambiental solta novamente as serpentes a cerca de 1 km do Shangrilá, em uma área verde, gerando polêmica.
A bióloga Giselda Person questiona a remoção das serpentes para uma região tão próxima ao residencial e às fazendas. “São muitas cascavéis, jararaca, e são cobras muito perigosas. Podem ter mais ratos na região, e então começa outro desequilíbrio”, alerta Giselda.
Para ela, o ideal seria o encaminhamento das cobras para uma região que não oferecesse risco à população, ou para alguma organização, como o Instituto Butantan, em São Paulo. Segundo o diretor do Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal da Prefeitura, houve tentativa de enviar as serpentes para o instituto, mas a espécie não está mais sendo aceita.
“O que nós estamos fazendo, é devolvendo elas para a mesma região fora do condomínio, uma região vegetada”, explica. Um estudo para verificar uma região propícia para a soltura das serpentes “duraria mais de ano”, segundo Anselmo.
“A gente precisaria ter um levantamento de fauna [...] para ver se esses animais são compatíveis, porque provavelmente já tenham outros animais dessa espécie lá, e eles já estão equilibrados”, explica.
Após captura, moradores acionam agentes da Prefeitura para a retirada das serpentes (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
Secretaria estadual faz alerta
De acordo com o Departamento de Fauna da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, é correto o procedimento de retornar os animais ao local de origem, e é comum que mudanças e perturbações, como um incêndio ou uma colheita, tenham como "consequência o deslocamento da fauna silvestre em busca de recursos e melhores condições para sobrevivência".
Ainda segundo a pasta, é importante que o residencial tome medidas de manejo ambiental para evitar que roedores eventuais se estabeleçam definitivamente no local. Dentre as providências, a secretaria recomenda a utilização de lixeiras com tampas e travas que impeçam a abertura por qualquer animal, coleta adequada de lixo orgânico e a retirada dos restos de alimentos dos comedouros de animais domésticos.
As medidas só surtirão efeito se aplicadas de forma generalizada, atingindo todo o residencial.
“Elas já pertenciam ao ambiente, não tem nada de diferente. Nós só estamos tirando do condomínio para evitar acidente”, completa Paulo Anselmo.
Cobra-coral também foi capturada no residencial em Campinas (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
Orientações e soro antiofídico
A bióloga Giselda Person recomenda que, em caso de aparições de serpentes dentro de residências, é necessário manter distância.
“É perigoso tentar colocar algo por cima. A pessoa tem que tomar conta de longe para ver pra onde ela vai. O certo seria manter uma distância segura, prender cachorro, afastar as crianças e ligar para a segurança”, alerta.
Em caso de picada, a recomendação é que a vítima faça a menor quantidade de movimentos possíveis. “Não pode fazer nada [no ferimento], e evitar andar, ficar deitado. Quanto mais se movimenta, mais se espalha o veneno”, explica Giselda.
Em crianças e animais, a substância se espalha com maior velocidade pelo organismo, assim exigindo um tratamento ainda mais veloz. A vítima pode sofrer insuficiência renal aguda e respiratória, que pode levar a morte, se o atendimento demorar muito.
Filhotes de cobras-cipó também foram capturadas neste período (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
O soro antiofídico só deve ser aplicado em hospitais, segundo o diretor da DPBEA. Na região de Campinas, a referência para o tratamento de picadas de animais peçonhentos é o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, onde podem ser tratadas vítimas de qualquer serpente nacional.
Para facilitar o tratamento, a especialista diz que é importante, se possível, apresentar uma fotografia da cobra.
O telefone para contato com Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal é (19) 3245-1781, ou o (19) 9 9398-4517 para plantões, em finais de semana e horários excepcionais.
Em caso de demora no tratamento, picada de cascavel pode levar à morte (Foto: Arquivo pessoal/Moradores)
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