Jogos de apostas online, do vício aos prejuízos emocionais e perda de bens

Doenças psicossomáticas, como ansiedade e depressão, estão entre as enfermidades

Por Ana Paula Omena I Lucas França I Valdirene Leão - Repórteres I Bruno Martins: Revisão | Redação

Por causa da divulgação das plataformas de cassino online ser feita, em sua maioria, com a promessa de uma “renda extra” para o novo jogador, muitas pessoas de origem humilde, que necessitam de um dinheiro a mais ou até mesmo aquelas mais esclarecidas investem os recursos que têm e o que não têm, com a esperança de ter algum tipo de retorno financeiro extraordinário. Porém, na vida de muitas delas, o jogo tem causado, além da perda de patrimônio, problemas familiares e o desenvolvimento de doenças psicossomáticas, como a ansiedade e depressão.

É o caso do preparador de goleiros e ex-goleiro do CSA, Flávio Pantera, de 53 anos, ídolo do esporte, que por causa da dependência no vício em jogos de azar, perdeu seus recursos financeiros e hoje vive na casa de familiares por conta do vício em jogos online.

Atualmente, o ex-goleiro passa por um momento difícil em sua vida. Além dos problemas de saúde, o ex-atleta, que foi titular do Athletico Paranaense na campanha do título brasileiro em 2001, está com problemas financeiros por conta das plataformas de jogos online, como o “Jogo do Tigrinho”.

Flávio começou no CSA na década de 90 e ganhou enorme projeção no Athletico, no Vasco, no Paraná e no América-MG. Foto: Reprodução/CSA

Um parente de Flávio contou com exclusividade ao portal Tribuna Hoje que ele perdeu tudo que conquistou com o esporte nos jogos. “Flávio perdeu todo o seu patrimônio no tal jogo do ‘Tigrinho’. E ele, que já vinha com problemas de saúde, agora piorou. Se encontra debilitado, com acompanhamento médico e psicológico devido a tudo que vem passando”, revelou.

Ainda de acordo com o parente do atleta, Flávio está com os dois pulmões comprometidos e sofre com um estado grave de saúde. No final de maio deste ano, o ex-arqueiro do time rubro-negro paranaense precisou ser internado em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na capital alagoana.

De acordo com o familiar, ele já estava reclamando de fortes dores nas costas, mas não sabia a gravidade da doença. “Ele demorou para buscar ajuda médica, nós marcamos para ele, no entanto sempre que chegava o dia da consulta, ele dizia que não ia. Conversamos muito com ele até convencer. Até Flávio ser internado foi uma conversa longa e de horas”, mencionou.

Outra pessoa também ligada ao goleiro afirmou ao portal de notícias que ele vem tendo acompanhamento espiritual/religioso para saber lidar com a situação. O ex-goleiro perdeu até a casa e hoje vive na casa de parentes em Maceió. “É um momento delicado em sua vida”.

A reportagem tentou contato com o goleiro através de telefonemas, para conversar com ele sobre a situação, mas não obteve retorno. Um pastor que seria amigo próximo de Flávio e o acompanha neste momento, também foi procurado, mas não respondeu às perguntas da reportagem. A equipe entende o momento do ex-jogador, que talvez não queira se expor ou falar sobre o caso.

HISTÓRICO
Flávio, nos tempos em que jogava no CSA, em 2013. Foto: Globoesporte

Flávio foi revelado no CSA e entre 1995 e 2002 defendeu o Athletico Paranaense, marcando história como um dos maiores goleiros do clube. Quando saiu do Furacão, atuou no Paraná Clube, onde ficou entre 2003 e 2007. Além disso, passou por Vasco e América-MG e encerrou sua carreira no CSA, em 2013.

Empresário alagoano faz alerta sobre perigo dos jogos online

O empresário alagoano Rafael Tenório fez um alerta sobre o perigo dos jogos online, como o do Tigrinho. Ele avalia que o vício na jogatina tem afetado as finanças de muitas famílias. Inclusive, tem acompanhado o drama de seus funcionários, com pedidos constantes de antecipação de férias, 13º salário, empréstimos e até demissões para terem acesso ao FGTS e, assim, pagarem as dívidas contraídas na plataforma.

Veja a entrevista na íntegra com Rafael Tenório no vídeo abaixo:



Mais de 50 vítimas procuraram delegacia após operação “Game Over’’


No dia 17 de junho de 2024, a Polícia Civil de Alagoas (PC/AL), por meio da Delegacia de Estelionatos, comandada pelo delegado Lucimério Campos, deflagrou a Operação “Game Over” com o objetivo de combater a prática ilícita do chamado “Jogo do Tigrinho” no Estado.

A ação policial começou bem antes. Conforme o delegado Lucimério Campos, foram nove meses de investigações com o serviço de Inteligência da PC/AL. A ação, que contou também com a participação do delegado-geral adjunto Eduardo Mero, cumpriu mandados de busca e apreensão em residências de influenciadores alagoanos, que estavam cometendo crime de estelionato ao incentivar seus seguidores a praticar esse tipo de jogo, que tem trazido uma verdadeira ruína nas finanças das pessoas e na saúde mental.

De acordo com a autoridade policial, depois de nove meses de investigação, a Polícia Civil, por meio da Delegacia de Estelionato e com o apoio de outros órgãos, cumpriu a decisão da 17ª Vara Criminal de busca e apreensão de diversos bens de influenciadores e pessoas que os assessoravam. Os mandados foram cumpridos nos bairros do Poço, Serraria, Jatiúca, Ouro Preto, Pajuçara, em Maceió, e na cidade de Marechal Deodoro, Litoral Sul de Alagoas.

Vergonha da exposição e adoecimento

Durante entrevista ao portal Tribuna Hoje, o delegado Lucimério Campos afirmou que após a operação, mais de 50 pessoas registraram o Boletim de Ocorrência (BO) afirmando serem vítimas dessa prática sem regulamentação no território nacional.

“Em relação às vítimas, a gente tem que fazer um destaque: as vítimas do crime de estelionato que compareceram à delegacia foram mais de 50 pessoas – porque o crime de estelionato precisa que a vítima tenha interesse em representar o autor do crime, ou seja, ela precisa vir à delegacia e comunicar”, explicou o delegado.

Campos destacou ainda que existem vítimas conhecidas e de diversos setores, como profissionais liberais, empresários, pessoas de diversas classes sociais e até famosas no Estado. “A gente destaca ainda que há um número maior de vítimas que não procuram a delegacia por alguns motivos, como a vergonha da exposição, porque adoeceram e estão fazendo tratamento – a gente tem conhecimento inclusive de pessoas famosas que perderam tudo com o jogo”, disse, ressaltando que “nesse caso, essas pessoas seriam protegidas pela lei com foco no crime de economia popular. Ou seja, aquele crime que é parecido com estelionato, mas não precisa de uma vítima identificada. Mesmo ela não vindo registrar o boletim, vão ser protegidas com base nessa lei”.

''Quando o jogo se torna um hábito recorrente, que interfere na rotina do indivíduo, assim como nas relações familiares, interações com amigos e na produtividade no ambiente escolar ou no trabalho deve-se acender o sinal de alerta'', frisou psicóloga

PREJUÍZO ECONÔMICO


Conforme Lucimério Campos, o prejuízo das pessoas que foram à delegacia e registraram o BO é de mais de um milhão e duzentos mil reais, mas após a operação outras pessoas já fizeram novas denúncias. “No dia 15 de junho, uma pessoa veio até a delegacia e relatou um prejuízo de mais de 700 mil reais, foi um empresário que se viciou e aí ele apontou novos influenciadores que nem foram os alvos da primeira fase da operação. Ele relatou o que aconteceu”, disse.

O delegado antecipou ainda que recentemente teve conhecimento de pessoas ligadas a um ídolo do esporte que é ex-goleiro do CSA e que também foi vítima dessa prática criminosa. 

Ouça o áudio do delegado abaixo.




Vítimas dos jogos online perderam patrimônios e vivem com saúde mental abalada

Após a operação da Polícia Civil de Alagoas, uma mulher que preferiu não se identificar concedeu uma entrevista para emissoras de TV locais afirmando que os jogos de azar fizeram a família perder o patrimônio construído por décadas e com muito trabalho.

De acordo com ela, o prejuízo foi calculado em R$ 400 mil e foi perdido em jogos feitos pelo neto dela. “Meu neto perdeu tudo que a gente tinha com jogos de aposta online. Começou a jogar por incentivo de outras pessoas e começou a perder. Perdeu o carro, o dinheiro que eu tinha no banco, por fim deu golpe na empresa que trabalhava de R$ 200 mil. Minha casa valia mais de R$ 300 mil e vendi, entreguei pelo débito. Nós perdemos tudo que tínhamos”, contou a mulher, afirmando que o neto precisou mudar de estado porque ainda tem débito com um agiota.

Ouça o áudio da vítima relatando a situação abaixo:



A alagoana ressalta que a filha entrou em depressão e está doente. Ainda segundo a mulher, o neto está passando necessidades financeiras em outro estado. “Minha família desmoronou devido a este jogo maldito. Não sei como vou continuar a viver. Meu desejo é que outras famílias não passem por isso”.

No dia 23 de junho deste ano, a assistente social Maria das Graças Conceição dos Santos disse ao programa Fantástico, da Rede Globo, que conheceu a plataforma de jogos através dos influenciadores Paulinha Ferreira e Ygor Ferreira.

A assistente social realizou o Boletim de Ocorrência e disse que perdeu tudo o que tinha. "Realmente eu precisava vir, mostrar o rosto. Falar isso para mim dói. Dói muito em mim. Parece que você está brincando, só que nessa brincadeira seu dinheiro vai e você não percebe. Ganhei um pouco e aquilo me animou. Fui colocando dinheiro e comecei a perder. Ela [Paulinha] falou que estava jogando, estava ganhando e quem se cadastrasse naquele link poderia ganhar como ela ou mais. Tive que me desfazer de um sonho, pois perdi R$ 200 mil", detalhou Maria das Graças.

Bens apreendidos podem servir para reparar danos às vítimas, diz delegado


Nesta primeira fase da operação “Game Over”, a polícia monitorou os influenciadores precursores do Jogo do Tigrinho em Alagoas – jogo que é uma contravenção penal.

“A Paulinha Ferreira, o esposo Ygor Ferreira e a Verolayne foram os alvos iniciais, no entanto eles têm os assessores e outros influenciadores também são alvos, pois trabalham nesta prática com eles, ao todo foram 12 pessoas investigadas nessa fase”, aponta o delegado Lucimério Campos.

Reprodução/TV Globo

Entre os bens apreendidos estão dois carros de luxo – um Porsche e um Volvo – um Fiat Fastback, uma lancha, além de celulares, dinheiro e passaporte.

“Pedimos o bloqueio de 11 veículos, mas alguns tinham sido vendidos, porém encontramos ainda nove carros. Apreendemos uma embarcação, que na verdade não estava concluída, mas paga, no valor de quase R$ 35 milhões e alguns imóveis de valores altíssimos, valorizados em quase cerca de R$ 1 milhão. Falo em crimes de grandes dimensões”, explicou Campos.

Carros de luxo apreendidos pela Polícia Civil de Alagoas. Foto: Ascom PC/AL

PENA PARA OS INFLUENCIADORES

O delegado esclarece que a pena para os influenciadores é bem severa, pois tem o crime de estelionato com pena máxima de cinco anos, de oito a 12 anos por crime de organização criminosa e mais 12 por lavagem de capital. Além disso, podem responder pelo crime contra a economia popular, uma pena mais branda, mas que somada às outras ganha amplitude.

Já em relação às plataformas, o delegado explica que é impossível chegar a elas, pois os investigadores precisam de aparatos que a PC/AL não tem no momento.

Veja a explicação no áudio abaixo.

Campos expõe que muitos influenciadores pararam com a divulgação dos jogos após a primeira fase da operação, mas outros seguem fazendo a prática e, por isso, a ideia é de fato uma nova fase. “Seguimos monitorando os jogos ilegais, mas estamos na dependência do Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), que é um órgão do Governo Federal que trata sobre os jogos online, para definir o que pode ou não pode em relação aos jogos, para então continuar nosso trabalho em prol da população”.

O delegado ressalta a importância do trabalho conjunto para com o Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL), através do Gaeco, que recebeu os autos e liberou a deflagração da operação através da 17ª vara e do Ministério da Fazenda. “Caso tenham outras vítimas e elas não queiram vir até a delegacia, podem registrar o BO na delegacia virtual, isso é importante para sabermos a dimensão desse crime”.

No Brasil, outras operações contra os jogos já aconteceram e casos de suicídios vieram à tona


No Maranhão, após a Polícia Civil deflagrar uma ação contra a influenciadora digital Skarlete Mello, que promovia o “Jogo do Tigrinho”, conhecido como “Fortune Tiger”, as autoridades investigam se há vítimas dos jogos.

O delegado-geral da Polícia Civil, Jair Paiva, afirmou que há suspeita de que o jogo esteja ligado a um esquema de pirâmide financeira. Nesse tipo de esquema, pessoas são recrutadas para participar com promessas de retornos elevados. Mas, para que os rendimentos sejam pagos, é preciso que outros membros entrem no grupo, que aportam dinheiro e progressivamente atraem ainda mais integrantes.

A maquiadora Jhenifer Blume é mais uma das vítimas desses jogos, ela conta que foi enganada por um influenciador que promoveu o link do “Jogo do Tigrinho” sem informar que ela poderia ter grandes perdas.


Reprodução/Arquivo Pessoal

“Minha última perda foi de um valor de R$ 400, fora outros valores menores. Quem divulgou essa plataforma foi o influenciador Júnior André. Assim que teve esse ocorrido, eu entrei em contato com a assessoria dele, que ajuda a divulgar os links, mas foi em vão, pois, segundo eles, não podiam fazer nada”, contou a maquiadora.

SUICÍDIOS

O delegado Pedro Adão, que participa das investigações sobre o Fortune Tiger, disse em entrevista à TV Mirante, no Maranhão, que existem pelo menos três casos de suicídio com relação aos jogos online.

“Nós tivemos no Maranhão o registro de três suicídios decorrentes de pessoas que começaram a jogar esses joguinhos eletrônicos, perderam uma grande quantidade de dinheiro e acabaram por ceifar suas próprias vidas”.

Rafael Mendes, de 17 anos, é uma suposta vítima, ele cometeu suicídio no dia 10 de setembro do ano passado, no município de Formosa da Serra Negra, no interior do Maranhão. O adolescente era jogador de futebol e teria aplicado no Fortune Tiger cerca de R$ 50 mil que tinha recebido de herança da mãe e perdido tudo.

Reprodução/Arquivo Pessoal

Outra vítima foi a socorrista Jaciaria Borges, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da cidade de Pastos Bons, que semanas antes também teria ceifado a própria vida por causa de um prejuízo provocado pelo “Jogo do Tigrinho”.

👉O QUE É O JOGO DO TIGRINHO

O chamado “Jogo do Tigrinho” ficou famoso no Brasil devido à extensa campanha que incluiu muitos influenciadores digitais e jogadores que compartilham suas supostas 'táticas' nas redes sociais. Mas, há a suspeita de que vídeos que mostram altos valores são feitos em contas usadas para testes do jogo, somente para simular ganhos reais e assim atrair novos jogadores.

👉O QUE É O FORTUNE TIGER

Fortune Tiger é um jogo de cassino online do tipo caça níquel, que promete ganhos em dinheiro. Porém, como em outros jogos de azar, pessoas tendem a perder dinheiro na plataforma. A polícia avisa que o sistema do Fortune Tiger é hospedado fora do país e não possui registro ou representantes no Brasil.

Crescimento em todo o Brasil

🕹️♠️♦️♣️ O vício em jogos de azar, conhecido como jogo patológico ou ludomania, é um transtorno sério que afeta profundamente a vida pessoal, profissional e social dos indivíduos. Esse transtorno tem lotado os consultórios de psicólogos em todo o país. 

🏥Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de atendimentos psicológicos realizados para pessoas com dependência em jogos de azar nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e na Atenção Primária à Saúde (APS) saltou de 108 para 1.290 entre 2018 e 2023, representando um aumento de 1.094%.

Ciclo vicioso: da dependência à compulsão


De acordo com a psicóloga Betânia Moreira, a promoção de jogos de azar por influenciadores digitais pode levar a sérios problemas como: vício, dificuldades financeiras e impactos na saúde mental. “Os jogos são uma forma de entretenimento cada vez mais popular entre pessoas de todas as idades, no entanto esse ciclo vicioso pode levar ao desenvolvimento da dependência e compulsão”, afirmou.

“Quando o jogo se torna um hábito recorrente, que interfere na rotina do indivíduo, assim como nas relações familiares, interações com amigos e na produtividade no ambiente escolar ou no trabalho deve-se acender o sinal de alerta”, frisou a especialista.

Psicóloga, Betânia Moreira. Foto: Edilson Omena

“Sendo assim, o vício em qualquer tipo de jogos é um transtorno caracterizado pela dificuldade em estabelecer limites na atividade de jogar, neste transtorno, a pessoa se torna dependente de estar jogando, investindo muitas horas e até mesmo dinheiro nos jogos, demonstrando irritabilidade e sentimentos de angústia em situações em que não pode jogar”, reforçou.

Betânia Moreira enfatizou que o vício por jogos pode afetar negativamente a vida pessoal, social e profissional do ser humano, desenvolvendo até algumas mudanças de comportamento, além de acarretar problemas à saúde física e mental como: déficit de atenção, ansiedade, depressão, isolamento, agressividade entre outros.

“Por não ser muito divulgado, este tipo de vício não tem a devida atenção que merece, mas é uma doença e pode destruir vidas e famílias, no momento que indivíduo não conseguir mais distinguir e ultrapassar o limite do lazer e diversão, provavelmente trata-se de um caso em que o jogo é patológico”.

Ainda conforme a psicóloga, os sintomas mais comuns são inespecíficos, como o do estresse, que envolve: ansiedade, irritabilidade, inquietude, agressividade, alteração do sono ou completa mudança do “fuso horário”.

“Saber que alguém querido desenvolveu um vício, além da família e do dependente precisarem tomar uma série de decisões e ações difíceis antes e durante o tratamento, ainda precisam gerenciar as emoções, dúvidas e decepções para preservar as relações familiares”, salientou.

“Nesse processo surge tristeza, raiva, culpa, vergonha e frustração, que são sentimentos constantes do começo ao fim, gerando alguns prejuízos tanto no setor familiar como no convívio social, muitas vezes influenciando de maneira negativa, como: afastamento dos familiares, separações e até mesmo perda do emprego, ocasionando além desses prejuízos, danos à saúde física e mental, resumindo, o vício por jogar é um processo lento, imperceptível e difícil de assumir”, pontuou a especialista.

CONSEQUÊNCIAS DANOSAS E TRÁGICAS

A psicóloga Betânia Moreira lembra que as consequências de vícios em jogos são muito danosas e podem ser trágicas, tanto para o indivíduo quanto para pessoas que o cercam, já que a ideia de que se pode fazer fortuna com jogos é vendida constantemente nas publicidades veiculadas abertamente através de influenciadores digitais, o que frequentemente gera problemas financeiros significativos incluindo endividamento, perda de emprego e até mesmo falência.

“Algumas das áreas mais afetadas por este vício são o funcionamento psicossocial, a saúde física e mental, a pessoa passa a mentir para encobrir o seu problema de jogo patológico, por agregar dívidas ou recorrer a empréstimos devido ao jogo, ou mesmo por retirar/roubar dinheiro das pessoas próximas para poder apostar e jogar, assim pessoas que não têm nada a ver com as apostas acabam se endividando”, explicou.

“O vício em jogos está levando trabalhadores a perder dinheiro e pedir ajuda financeira a seus empregadores para cobrir dívidas e pagar contas domésticas. Normalmente, pessoas que sofrem com vícios em jogos passam a ter atrasos com frequência ou costumam deixar seus postos de trabalho em horário de serviço, esse hábito pode ser explicado pela inquietação ocasionada pelo vício, sendo assim é indiscutível que também impactará de forma bastante negativa as atividades trabalhistas e ações cotidianas na empresa, diminuição da motivação, o surgimento de conflito entre os funcionários e até a demissão são consequências que podem ser geradas a partir dos vícios em jogos”, alertou.

INTERVENÇÃO MÉDICA PSIQUIÁTRICA

A intervenção médica psiquiátrica em alguns casos se faz necessária para que possam ser ministrados fármacos adequados com o intuito de controlar a agressividade, a impulsividade, e mesmo sintomas causados pela abstinência. Segundo Betânia Moreira, o profissional psicólogo, fazendo uso da psicoterapia amparada pela Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), visa ajudar na identificação de possíveis gatilhos que desencadeiam o vício, bem como a origem desses comportamentos, tendo como objetivo minimizar as chances de recaída, sendo assim, criando condições que tornem possível o desenvolvimento e a retomada das relações sociais, porém longe do ambiente de jogo.

Em alguns casos mais graves de vício em jogos, a internação em uma clínica de reabilitação amparada por uma equipe multiprofissional de boa qualidade pode ser necessária, porém só seria recomendada em último momento.

Advogada destaca que primeiro passo para reparação é a denúncia


A advogada criminalista Else Freire destaca que as pessoas que se sentirem lesadas com a perda nos jogos online devem registrar boletim de ocorrência ou registrar queixa por meio de um profissional em uma delegacia especializada. Mas salienta que a simples denúncia ou registro de ocorrência não garante reparação pecuniária.

No entanto, ela salienta que esse é o primeiro passo para uma possível reparação dos valores perdidos. “Essa reparação pode decorrer tanto por meio de ações cíveis de reparação por dano material e moral em fase dos influenciadores ou qualquer outra pessoa que tenha contribuído para propagação dessa prática ilegal. Mas também podem buscar reparação por uma sentença penal condenatória, chamada de ação civil ex delicto, então dentro dos próprios processos criminais é possível que a vítima se habilite no processo, por meio de um advogado, e solicite que o juiz na hora de fixar a pena, fixe também um valor indenizatório pelo prejuízo que a vítima teve que suportar”, esclarece Freire.

Foto: Sandro Lima

A advogada esclarece ainda que, nas ações cíveis, quando demonstrado que houve a fraude, é possível solicitar o sequestro e bloqueio de bens e, com a sentença favorável à vítima, pode ocorrer alienação dos bens.

“Isso significa dizer que todos os bens sequestrados, bloqueados, podem servir para reparar os danos. Por exemplo, veículos automotores, considerados bens perecíveis, podem, inclusive, sofrer a alienação antecipada, que é a venda do bem antes mesmo de chegar ao final do processo, como forma de garantir que o valor não se dissolva com o passar do tempo e assim assegurar que a vítima alcance uma justa indenização ao final do processo”, explica Else Freire.

Ela avalia que, no caso do Jogo do Tigrinho, o dinheiro que os influenciadores receberam para divulgar a plataforma em suas redes sociais e assim estimular os seguidores a participar da jogatina e que está bloqueado, pode ser usado para ressarcir as vítimas.

“Até o momento, as investigações dão indícios de que os influenciadores usaram de persuasão levando a crer que os ganhos eram ‘garantidos’ induzindo ao erro, mediante essa fraude. Se ao final das investigações ficar comprovado que existia o dolo, ou seja, a intenção de cometer essa prática criminosa, podem ser indiciados e posteriormente denunciados pelo Ministério Público. Assim, com a sentença condenatória, se comprovado que os bens decorreram desses ganhos, podem sim, serem utilizados para reparar as vítimas”, reforça a advogada.

Ainda que a perda tenha sido pequena, Else Freire diz que é importante denunciar. “Algumas vítimas, por exemplo, pediram adiantamento de salário para jogar. Outras pegaram dinheiro emprestado, venderam bens. Ou seja, tiveram prejuízos em proporções diferentes. Mas todas são vítimas e podem sim, ser reparadas, não apenas materialmente, que seria o valor do montante que perderam, mas moralmente. Nesse caso, quantum indenizatório, levando em conta as condições das partes, nível social, escolaridade, o prejuízo que sofreu a vítima, o grau de intensidade da culpa”, explica.

REGULAMENTAÇÃO DOS JOGOS ELETRÔNICOS

Em março deste ano, os senadores aprovaram o Projeto de Lei (PL) que cria o marco legal para jogos eletrônicos no Brasil. O PL 2.796/2021, que volta para nova apreciação dos deputados federais, já que o texto original sofreu alterações.

A proposta prevê regras para a fabricação, importação, comercialização, desenvolvimento e o uso comercial dos jogos.

O PL não vale para máquinas caça-níqueis, jogos de setor e os chamados jogos de fantasia, em que o usuário cria um time virtual com jogadores reais de um determinado esporte. Esse tipo de jogo online já é regulado pela lei que trata das quotas fixas, as bets.

O texto prevê ainda benefícios fiscais para os criadores de jogos eletrônicos. Eles terão direito a abatimento de 70% no Imposto de Renda devido em remessas ao exterior, que integra a Lei do Audiovisual. Esse benefício é válido também para contribuintes que investem em projetos de jogos eletrônicos independentes.

Foto: Agência Brasil

No âmbito da Lei do Bem, o desenvolvimento de jogos eletrônicos passa a ser enquadrado como atividade de pesquisa tecnológica e de inovação, o que permite o acesso a incentivos fiscais, como redução de 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Outro benefício é o tratamento especial por serem considerados negócios inovadores, como processo mais simplificado para formalização.

Mas, apesar disso, há algumas restrições para o PL - projeto determina que os jogos indicados para crianças e adolescentes devem ter restrições para transações comerciais, a serem permitidas somente com autorização dos responsáveis.

O texto prevê também a proibição a práticas de violação de direitos de crianças e adolescentes, ferramentas de supervisão e moderação parental precisam ser atualizadas com frequência. Pelo projeto, menores de idade podem trabalhar na criação dos jogos, desde que respeitados os direitos de crianças e adolescentes e as leis trabalhistas.

Não será exigida nenhuma qualificação especial ou licença do Estado para programadores e desenvolvedores.

O projeto não cita como vai funcionar em relação aos jogos de plataformas estrangeiras como o Jogo do Tigrinho.

Governo define regras para jogos de aposta online; “Jogo do Tigrinho” pode ser autorizado


Em 31 de julho de 2024, o Ministério da Fazenda publicou no Diário Oficial da União (DOU) uma portaria que estabelece critérios técnicos para os jogos de apostas online, como o “Jogo do Tigrinho”.

O governo enquadra na categoria os jogos no qual: “o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou objetos definidos no sistema de regras”. E, por isso, estão no segmento as plataformas de apostas esportivas, que o governo classifica como “jogos multi apostadores”, nos quais, quem joga/aposta e os resultados por ele são influenciados pelo resultado ou ação de qualquer outro jogador.

A nova portaria autoriza o funcionamento de jogos deste tipo no Brasil, desde que se enquadrem nas regras recém estipuladas.

A portaria aponta que os responsáveis pelo jogo devem solicitar uma autorização ao Ministério da Fazenda para serem liberados. O órgão vai analisar se as plataformas são certificadores autorizados para constatar se cumprem as normas.

Segundo o Ministério da Fazenda, cinco empresas fizeram o requerimento já com a nova portaria. São elas: KAIZEN GAMING BRASIL LTDA; SPRBTBR LTDA; MMD TECNOLOGIA, ENTRETENIMENTO E MARKETING LTDA; VENTMEAR BRASIL S.A.; e BIG BRAZIL TECNOLOGIA E LOTERIA S.A.

REGRAS

A portaria define que os jogos devem disponibilizar aos usuários, no momento da aposta, qual é o fator de multiplicação para cada Real apostado, de forma que fique definido o valor que o apostador receberá em caso de vitória.

Além disso, é preciso que antes da efetivação da aposta, a plataforma/jogo apresente ao apostador as tabelas de pagamento com todas as informações das possibilidades de ganho que ele terá. Outra regra é que o valor do prêmio não poderá ser alterado após a aposta ter sido realizada.

Outra definição da nova portaria é de que as artes gráficas do jogo expliquem de forma clara ao apostador, como fazer para vencer. Nessa explicação deve constar a ordem e a quantidade dos símbolos necessários para a vitória e também determina que a sessão de aposta deve ser considerada encerrada após 30 minutos de inatividade do jogador na plataforma.

O governo proíbe que os jogos online de apostas sejam ofertados em ambientes físicos, por meio de dispositivos eletrônicos.

Vale ressaltar que os jogos de apostas online como o “Jogo do Tigrinho” ganharam as manchetes dos jornais em vários estados brasileiros depois que casos de endividamento de jogadores e até adoecimento mental chegando ao suicídio vieram à tona.

Os jogos têm divulgação massiva de influenciadores digitais nas redes sociais.

Mais detalhes da portaria aqui.