Enio Lins

Os poderes públicos e o poder da especulação imobiliária

Enio Lins 28 de fevereiro de 2025

VEREADOR POR MACEIÓ, ALLAN PIERRE recolocou na pauta do parlamento municipal um tema de maior importância: a substituição do Hotel Jatiúca por um projeto comentado como demolidor do uso histórico da Lagoa da Anta. E recoloca a questão muito bem, ao focar na destinação original das áreas integrantes daquele ecossistema.

REPORTAGEM DO 7 SEGUNDOS, assinada por Felipe Ferreira e publicada há três dias, diz que a “a área foi cedida pelo Município em 1977 para o grupo hoteleiro a fim de fomentar a atividade turística na capital. Allan Pierre entende que se houver mudança no projeto original, além da devolução da área doada, a prefeitura poderá fazer a desapropriação do restante do imóvel”. E segue a matéria: “O vereador defende a desapropriação da área e que o entorno da Lagoa da Anta seja transformado em um parque urbano. A audiência pública que vai discutir os impactos da construção das cinco torres ainda não tem data definida, mas deve reunir nomes da base e da oposição ao prefeito JHC”. O texto é finalizado com uma fala do presidente da Câmara Municipal, vereador Chico Filho, pedindo “cautela aos parlamentares sobre o tema, já que o projeto ainda não foi apresentado, podendo ser benéfico para a região”.

“CAUTELA E CALDO DE GALINHA não fazem mal a ninguém”, reza a filosofia popular e o presidente da Câmara tem razão em se preocupar com o agendamento desse debate. Mas a especulação imobiliária não entende o significado da palavra “cautela” e já transformou as áreas de rara beleza do litoral maceioense numa barafunda, detonando leis municipais que visavam organizar a ocupação do solo e reduzir os impactos do adensamento urbano praieiro sobre o conjunto da cidade. No passado recente, o melhor exemplo foi a limitação, em seis pavimentos, das edificações localizadas na primeira quadra da praia, altura que ia subindo conforme as quadras se afastassem do mar. Essa norma, durante anos, garantiu que a ocupação da orla fosse realizada sem maiores sobrecargas aos sistemas de fornecimento d’água, de eletricidade, recolhimento de esgoto, e trânsito. De uma hora para outra, essa lei dançou, sumiu do mapa. Espigões passaram a brotar do chão sem parar, e o litoral norte maceioense ficou totalmente à mercê da capacidade da Engenharia arranhar os céus, sem que ninguém responda convincentemente aonde vão boiar os dejetos produzidos em cada torre eclodida em áreas sem serviço de esgotamento sanitário.

É O HOTEL JATIÚCA A DERRADEIRA joia da coroa, solitária gema do que outrora foram as áreas acessíveis ao público no magnífico litoral maceioense. A partir de um acordo fechado durante a gestão Fernando Collor na prefeitura de Maceió, a concessão – como bem lembra o vereador Allan Pierre – do uso privado do entorno da Lagoa da Anta para finalidade hoteleira, num projeto marcado, desde 1979, pela horizontalidade predial e pelo cuidado e preservação da área lacustre, possibilitou (até agora) a salvaguarda das principais características ambientais e do acesso público ao privilegiado local. A alteração dessas características da ocupação do solo não pode ser feita monocraticamente, muito menos à revelia dos termos definidos originalmente pelo poder concedente.

QUE SEJAM REALIZADAS as audiências públicas e que a construtora interessada na área seja ouvida, até porque existem apenas boatos sobre o pretendido. Quem sabe o empreendimento não seria mesmo um parque ecológico de alto nível, aberto ao uso público, sem nenhum arranha-céu, um santuário naturalista em meio ao caos urbano existente hoje em torno do (ainda resistente) Hotel Jatiúca. Quem sabe? Ouçamos os empreendedores. E que os poderes públicos assumam suas responsabilidades para com o conjunto da população maceioense.