Enio Lins
Os poderes públicos e o poder da especulação imobiliária

VEREADOR POR MACEIÓ, ALLAN PIERRE recolocou na pauta do parlamento municipal um tema de maior importância: a substituição do Hotel Jatiúca por um projeto comentado como demolidor do uso histórico da Lagoa da Anta. E recoloca a questão muito bem, ao focar na destinação original das áreas integrantes daquele ecossistema.
REPORTAGEM DO 7 SEGUNDOS, assinada por Felipe Ferreira e publicada há três dias, diz que a “a área foi cedida pelo Município em 1977 para o grupo hoteleiro a fim de fomentar a atividade turística na capital. Allan Pierre entende que se houver mudança no projeto original, além da devolução da área doada, a prefeitura poderá fazer a desapropriação do restante do imóvel”. E segue a matéria: “O vereador defende a desapropriação da área e que o entorno da Lagoa da Anta seja transformado em um parque urbano. A audiência pública que vai discutir os impactos da construção das cinco torres ainda não tem data definida, mas deve reunir nomes da base e da oposição ao prefeito JHC”. O texto é finalizado com uma fala do presidente da Câmara Municipal, vereador Chico Filho, pedindo “cautela aos parlamentares sobre o tema, já que o projeto ainda não foi apresentado, podendo ser benéfico para a região”.
“CAUTELA E CALDO DE GALINHA não fazem mal a ninguém”, reza a filosofia popular e o presidente da Câmara tem razão em se preocupar com o agendamento desse debate. Mas a especulação imobiliária não entende o significado da palavra “cautela” e já transformou as áreas de rara beleza do litoral maceioense numa barafunda, detonando leis municipais que visavam organizar a ocupação do solo e reduzir os impactos do adensamento urbano praieiro sobre o conjunto da cidade. No passado recente, o melhor exemplo foi a limitação, em seis pavimentos, das edificações localizadas na primeira quadra da praia, altura que ia subindo conforme as quadras se afastassem do mar. Essa norma, durante anos, garantiu que a ocupação da orla fosse realizada sem maiores sobrecargas aos sistemas de fornecimento d’água, de eletricidade, recolhimento de esgoto, e trânsito. De uma hora para outra, essa lei dançou, sumiu do mapa. Espigões passaram a brotar do chão sem parar, e o litoral norte maceioense ficou totalmente à mercê da capacidade da Engenharia arranhar os céus, sem que ninguém responda convincentemente aonde vão boiar os dejetos produzidos em cada torre eclodida em áreas sem serviço de esgotamento sanitário.
É O HOTEL JATIÚCA A DERRADEIRA joia da coroa, solitária gema do que outrora foram as áreas acessíveis ao público no magnífico litoral maceioense. A partir de um acordo fechado durante a gestão Fernando Collor na prefeitura de Maceió, a concessão – como bem lembra o vereador Allan Pierre – do uso privado do entorno da Lagoa da Anta para finalidade hoteleira, num projeto marcado, desde 1979, pela horizontalidade predial e pelo cuidado e preservação da área lacustre, possibilitou (até agora) a salvaguarda das principais características ambientais e do acesso público ao privilegiado local. A alteração dessas características da ocupação do solo não pode ser feita monocraticamente, muito menos à revelia dos termos definidos originalmente pelo poder concedente.
QUE SEJAM REALIZADAS as audiências públicas e que a construtora interessada na área seja ouvida, até porque existem apenas boatos sobre o pretendido. Quem sabe o empreendimento não seria mesmo um parque ecológico de alto nível, aberto ao uso público, sem nenhum arranha-céu, um santuário naturalista em meio ao caos urbano existente hoje em torno do (ainda resistente) Hotel Jatiúca. Quem sabe? Ouçamos os empreendedores. E que os poderes públicos assumam suas responsabilidades para com o conjunto da população maceioense.

Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.