Enio Lins

Valores do “Inspetor Carlos”, de “Lobo”, e da coragem sem violência

Enio Lins 19 de fevereiro de 2025

CARLOS MIRANDA, ATOR, e oficial da reserva da PM paulista, morreu aos 91 anos, na segunda-feira, 17. Seu personagem antológico, o “Inspetor Carlos” segue vivo na memória da televisão brasileira, e merece ser relembrado, seja por motivos artísticos-culturais, seja pela questão cidadã.

REFLETIA, “O VIGILANTE RODOVIÁRIO”, uma visão unânime, há seis décadas, sobre a Polícia Rodoviária Federal, sinônimo de instituição anjo-da-guarda, povoada por policiais-modelo cujo objetivo era salvar vidas nas estradas. Informa o site https://www.gov.br/prf: “A Polícia Rodoviária Federal foi criada pelo Presidente Washington Luís em 24 de julho de 1928, através do Decreto nº 18.323, com a denominação de ‘Polícia de Estradas’. Em 1935, Antônio Félix Filho, o ‘Turquinho’, foi o primeiro Patrulheiro Rodoviário Federal, que tinha a missão de fiscalizar, com seu grupo de vigias em motocicletas Harley Davidson, as rodovias Rio-Petrópolis, Rio-São Paulo e União Indústria”.

TURQUINHO FOI REFERÊNCIA de policial humanista, corajoso, altruísta, não-violento. Sua efetivação ao posto só viria acontecer sete anos após a criação do órgão, apesar de seu trabalho voluntário já ser um destaque reconhecido desde o início dos anos 30, quando “comprou uma moto Zundapp KS 750 e passou a fazer as patrulhas sozinho, munido apenas de um revólver e binóculos” – diz-nos a Wikipédia e o site Aventuras na História, que informam a nomeação só ter acontecido, depois de uma abordagem sua a Getúlio Vargas, e realizada pelo então diretor-geral do DNER, Yedo Fiúza (engenheiro, que, em 1945, seria candidato a Presidente da República pelo Partido Comunista). Turquinho, depois de aposentado, serviu de inspiração para o personagem interpretado por Carlos Miranda, a quem orientou pessoalmente.

FORAM AO AR 38 EPISÓDIOS d’O Vigilante Rodoviário, pela TV Tupi, em três temporadas, entre janeiro de 1962 e maio de 1967. A série obteve grande sucesso, depois exibida em todo Brasil. Em Maceió, na ausência de TV local, o seriado foi acompanhado com o público pegando bigú em um dos dois canais pernambucanos (TV Jornal do Comércio e/ou TV Rádio Clube), retransmitidos para Alagoas até a implantação da TV Gazeta, em 1974 (assisti, não me lembro em qual). O personagem de Carlos Miranda, Inspetor Carlos, se fazia acompanhar de Lobo, um cão pastor alemão. Nosso herói pilotava uma moto Harley-Davidson e dirigia uma perua Simca Chambord. A dupla vencia todos os inimigos na base da coragem, detendo quem ousasse delinquir, sem matar nem aleijar meliante nenhum. Homem e cão eram exemplares. Refletiam a valentia e lhaneza de uma PRF do bem.

ENTRE 2019 E 2022, ENTRETANTO, ocorreram fatos que enlamearam a imagem da PRF e que matariam de vergonha os personagens Inspetor Carlos (independente da opinião pessoal do ator Carlos Miranda) e o cão Lobo. Episódios esses que expuseram uma contaminação de parte daquela corporação pelo vírus da criminalidade bolsonarista. Em 25 de maio de 2022, Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, foi covardemente torturado e assassinado, por agentes da PRF, que converteram uma viatura em câmara de gás. O crime foi filmado por transeuntes, em plena luz do dia, às margens de uma rodovia na cidade sergipana de Umbaúba. E no dia da votação do segundo turno da eleição presidencial, 30 de outubro de 2022, por orientação de seu diretor-geral (cujo nome só merece ser lembrado pelos processos penais), parcela da PRF tentou interferir no resultado da votação em benefício do candidato derrotado, detendo, pelo menos, 610 ônibus que faziam, legalmente, o transporte público de eleitores em áreas consideradas reduto de Lula.

Oxalá o profissionalismo o humanismo de instituições como aquela Polícia Rodoviária Federal do “Inspetor Carlos” (e do “Lobo”) jamais sejam, novamente, retirados de cartaz.