Enio Lins

Ainda estou aqui torcendo por mais, mas Ainda Estou Aqui é o grande campeão

Enio Lins 06 de janeiro de 2025

ÀS VÉSPERAS da solenidade da premiação Globo de Ouro, me parece o momento certo para cometer umas palavras sobre o filme “Ainda Estou Aqui” e sobre a atriz Fernanda Torres, ambos finalistas, como “Melhor Filme de Língua Não-Inglesa” e “Melhor Atriz”. Melhor dizer agora, antes de saber o resultado, que o filme, a atriz e o diretor são grandes vitoriosos – independente de prêmios. É irreversível o tremendo sucesso nacional e internacional da produção dirigida por Walter Salles. Esta é a vitória.

CRIADO EM 1944, o Globo de Ouro é outorgado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood para os principais destaques no cinema e TV. Em termos de prestígio mundial é um prêmio só superado pelo Oscar. Lembra o site terra.com.br que, há 20 anos, um filme com assinatura brasileira não frequentava essa festa, desde a indicação de “Diários de Motocicleta”, numa parceria internacional entre o Brasil e mais sete países sob a direção de Walter Sales, em 2004. Nenhum ator ou atriz do Brasil conseguiu ganhar o prêmio. Sônia Braga teve três indicações para Melhor Atriz Coadjuvante: 1986 (O Beijo da Mulher Aranha), 1989 (Luar Sobre Parador) e 1995 (Amazônia em Chamas). Daniel Benzali e Wagner Moura foram indicados, respectivamente, pelas séries americanas Murder One (1996) e Narcos (2006). Fernanda Montenegro, e Fernanda Torres, mãe e filha são, até agora, as duas únicas brasileiras indicadas como Melhor Atriz no Globo de Ouro: Fernanda Montenegro em Central do Brasil, em 1998 (Cate Blanchett levou o troféu) e Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui (2024), ambos os filmes dirigidos por quem? Walter Salles. Central do Brasil venceu o Globo de Ouro 1999 na categoria de Melhor Filme em Língua não-Inglesa. E também venceu, no mesmo ano, o BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de melhor filme estrangeiro.

AINDA ESTOU AQUI é um sucesso consagrado, uma vitória tamanha que nem precisa vencer mais prêmios para fazer história. Já fez, e em grande estilo. Se vierem o Globo de Ouro e o Oscar, maravilha! Soem os clarins e ruflem os atabaques! Se não, não farão diferença. O filme está cumprindo seu papel artístico, cultural e cidadão, superando as expectativas e recolocando em pauta uma tragédia brasileira que nunca poderá ser esquecida, que é a ditadura militar implantada em 1º de abril de 1964. Muitos filmes excelentes foram feitos sobre os anos de chumbo (Pra Frente Brasil, O Bom Burguês, Lamarca, Marighella, O Que é Isso Companheiro?...), mas esse filme de Walter Salles tem um mérito especial: ele consegue reproduzir o terror ditatorial sem usar as linguagens típicas das militâncias. A heroína é uma mulher que não militava em nenhum grupo, como Zuzu Algel, não tinha pretensões de mudar o mundo, até ver seu mundo cair.

EUNICE PAIVA era uma mãe de família que testemunhou o marido ser raptado, à luz do dia, por agentes da ditadura, em 1971, e nunca mais teve notícias dele. Morreu sem saber onde o corpo de Rubens Paiva foi descartado. Eunice nunca se acovardou, nem se intimidou, mesmo quando foi injusta e covardemente presa, juntamente com a filha de 15 anos. Renovou-se, transformou o luto em luta, esmerou-se na defesa dos direitos humanos e na denúncia do autoritarismo, tornou-se referência da causa dos povos originários. Apenas a Doença de Alzheimer a deteve. Morta em 2018, aos 89 anos, a brava Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva viverá para sempre em “Ainda Estou Aqui”, filme visto por mais de 2,6 milhões de pessoas apenas nas primeiras seis semanas de exibição. De um investimento de R$ 8 milhões, arrecadou R$ 62,9 milhões em menos de dois meses, estimulando novas produções no mesmo rumo. Globo de Ouro? Oscar? Querendo vir, serão muito bem recebidos. Festejados. Mas não vindo, tudo bem. O Brasil já ganhou.