Enio Lins
O ódio mata, inclusive o próprio dono
Já havia esboçado a coluna para 15 de novembro tendo como foco as potencialidades alagoanas no período de cinco dias entre a Proclamação da República e o Dia Nacional da Consciência Negra, temática inspirada pelas excelentes falas escutadas na apresentação do Festival Carambola. Mas as explosões em Brasília mudaram a pauta.
ÓDIO CONTAMINANTE
Débora Diniz, uma das mais expressivas intelectuais brasileiras, postou, no final da noite de ontem: “O ódio é contagioso”. Se referia ela ao atentado cometido poucas horas antes, quando a capital da República foi sacudida por detonações, uma das quais a autoexplosão do responsável pelo atentado. “Se ele é agora um corpo morto fantasiado das ilusões que o atormentou nos últimos tempos, é preciso tomar a violência das imagens para voltarmos a falar do que faz o ódio na vida política e pública”, escreveu a antropóloga nascida em Alagoas e radicada em Brasília. O terrorista suicida vestia, ao morrer, um espalhafatoso conjunto verde.
FANTASIA ASSASSINA
Identificado como Francisco Wanderley Luiz, o autor do atentado suicida se apresentava como “Tiü França”. Bolsonarista, em 2020 foi candidato pelo partido do ex-capitão a vereador na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina. Antes de morrer pelas próprias detonações, publicou mensagens nas redes sociais contra o Supremo Tribunal Federal, contra o presidente Lula e os presidentes da Câmara e do Senado. Em publicações anteriores atacava especialmente o STF, chegando a antecipar ameaças que não foram levadas a sério dentre as inúmeras postagens de ódio e violência veiculadas diariamente pelos adeptos do ex-presidente atualmente inelegível.
INSPIRAÇÃO MORTÍFERA
Bombas sempre tiveram lugar privilegiado no imaginário autoritário brasileiro. Em 1968, o brigadeiro João Paulo Burnier planejou explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, com o objetivo de culpar os comunistas, e prender e assassinar líderes oposicionistas (plano frustrado pela denúncia heroica do capitão Sérgio “Macaco”, que foi perseguido e expulso das forças armadas por isso). Em 1981, a banda podre do Exército plantou explosivos no Riocentro, onde se realizava o Show do Dia do Trabalhador, mas uma das bombas estourou no colo de um dos terroristas, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, “que morreu instantaneamente, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido”, conforme relatado na Wikipédia. Em 1987, o capitão Jair Messias B(...), ameaçou publicamente, pela revista Veja, explodir quarteis e a Adutora do Guandu (Rio de Janeiro) em protesto contra o ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves, também de direita, mas um dos fiadores da redemocratização. Na tentativa do golpe de estado em 8 de janeiro de 2023, um militante bolsonarista, George Washington Sousa foi preso (processado e condenado) por montar atentados a bomba em Brasília, cujos alvos eram a rede elétrica e o aeroporto Juscelino Kubitschek. É o mesmo fio condutor, sempre.
AMEAÇA AUTORITÁRIA
Empolgados pela nova eleição de Trump nos Estados Unidos, alimentados pelos gabinetes do ódio via as redes sociais (principalmente, mas não apenas, pelo X de Musk), esses arautos da estupidez, radicais da extrema-direita, seguem investindo no ideário terrorista – e até em artigo pretensamente cidadão, publicado na Folha, o mito dessa fauna transmite petulância e agressividade, zurrando um “Aceitem a democracia!” como ameaça antidemocrática explícita e atrevida, posicionamento avaliado pela jornalista Cristina Serra como “prenúncio de algo muito grave”. Apois já está acontecendo algo gravíssimo, e rápido.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.