Enio Lins

O ódio mata, inclusive o próprio dono

Enio Lins 16 de novembro de 2024

Já havia esboçado a coluna para 15 de novembro tendo como foco as potencialidades alagoanas no período de cinco dias entre a Proclamação da República e o Dia Nacional da Consciência Negra, temática inspirada pelas excelentes falas escutadas na apresentação do Festival Carambola. Mas as explosões em Brasília mudaram a pauta.

ÓDIO CONTAMINANTE

Débora Diniz, uma das mais expressivas intelectuais brasileiras, postou, no final da noite de ontem: “O ódio é contagioso”. Se referia ela ao atentado cometido poucas horas antes, quando a capital da República foi sacudida por detonações, uma das quais a autoexplosão do responsável pelo atentado. “Se ele é agora um corpo morto fantasiado das ilusões que o atormentou nos últimos tempos, é preciso tomar a violência das imagens para voltarmos a falar do que faz o ódio na vida política e pública”, escreveu a antropóloga nascida em Alagoas e radicada em Brasília. O terrorista suicida vestia, ao morrer, um espalhafatoso conjunto verde.

FANTASIA ASSASSINA

Identificado como Francisco Wanderley Luiz, o autor do atentado suicida se apresentava como “Tiü França”. Bolsonarista, em 2020 foi candidato pelo partido do ex-capitão a vereador na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina. Antes de morrer pelas próprias detonações, publicou mensagens nas redes sociais contra o Supremo Tribunal Federal, contra o presidente Lula e os presidentes da Câmara e do Senado. Em publicações anteriores atacava especialmente o STF, chegando a antecipar ameaças que não foram levadas a sério dentre as inúmeras postagens de ódio e violência veiculadas diariamente pelos adeptos do ex-presidente atualmente inelegível.

INSPIRAÇÃO MORTÍFERA

Bombas sempre tiveram lugar privilegiado no imaginário autoritário brasileiro. Em 1968, o brigadeiro João Paulo Burnier planejou explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, com o objetivo de culpar os comunistas, e prender e assassinar líderes oposicionistas (plano frustrado pela denúncia heroica do capitão Sérgio “Macaco”, que foi perseguido e expulso das forças armadas por isso). Em 1981, a banda podre do Exército plantou explosivos no Riocentro, onde se realizava o Show do Dia do Trabalhador, mas uma das bombas estourou no colo de um dos terroristas, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, “que morreu instantaneamente, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou gravemente ferido”, conforme relatado na Wikipédia. Em 1987, o capitão Jair Messias B(...), ameaçou publicamente, pela revista Veja, explodir quarteis e a Adutora do Guandu (Rio de Janeiro) em protesto contra o ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves, também de direita, mas um dos fiadores da redemocratização. Na tentativa do golpe de estado em 8 de janeiro de 2023, um militante bolsonarista, George Washington Sousa foi preso (processado e condenado) por montar atentados a bomba em Brasília, cujos alvos eram a rede elétrica e o aeroporto Juscelino Kubitschek. É o mesmo fio condutor, sempre.

AMEAÇA AUTORITÁRIA

Empolgados pela nova eleição de Trump nos Estados Unidos, alimentados pelos gabinetes do ódio via as redes sociais (principalmente, mas não apenas, pelo X de Musk), esses arautos da estupidez, radicais da extrema-direita, seguem investindo no ideário terrorista – e até em artigo pretensamente cidadão, publicado na Folha, o mito dessa fauna transmite petulância e agressividade, zurrando um “Aceitem a democracia!” como ameaça antidemocrática explícita e atrevida, posicionamento avaliado pela jornalista Cristina Serra como “prenúncio de algo muito grave”. Apois já está acontecendo algo gravíssimo, e rápido.