Enio Lins

Quem tem medo dos BRICS e de um mundo multipolar?

Enio Lins 24 de outubro de 2024

Toda vez que você ouvir, ou ler, o termo “antiocidental” fique com a pulga atrás da orelha, pois tem alguma fuleiragem, alguma intenção delituosa, por trás dele. De triste memória, “civilização cristã-ocidental” é expressão usada historicamente como bandeira de salvo-conduto para o cometimento de crimes contra a humanidade. Foi esse o espírito de porco que fundamentou as crueldades da Santa Inquisição, e que orientou o colonialismo nos massacres contra as populações tidas como “não-ocidentais”.

BRICS INCOMODANDO

Coisa recentíssima, a mídia ficou polvilhada pela expressão “antiocidental” pespegada aos BRICS. Aí tem coisa. Reportagem publicada pelo G1, ontem, coifava o seguinte bigode: “Estudiosos ouvidos pelo g1 dizem que, em um contexto global acirrado, os Brics correm o risco de parecer, aos olhos de grandes potências, uma aliança 'anti-ocidente'. Isso representa desafio para o papel do Brasil”. O termo “grandes potências” deve ser traduzido como “Estados Unidos”, o resto vai atrás do trio elétrico, saltitando e cantando: quem “aprendeu, que é do outro lado/ do lado de lá do lado/ que é lá do lado de lá”, em exercícios geopolíticos que situam Japão, Coreia do Sul, e outros tantos orientais como nações do lado ocidental, quiçá cristãs. Quando algum país se mexe para tirar a coleira americana do próprio pescoço, tá do lado de lá e recebe o carimbo de “antiocidental”.

DESAFIO PARA O MUNDO

Não é apenas “desafio para o papel do Brasil” o crescimento do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Trata-se de um desafio global romper as amarras da contemporaneidade neocolonialista. O fato, incontornável, é a insustentabilidade de um mundo com um único dono. Hitler tentou isso, construir um mundo unipolar, impondo a Alemanha nazista como epicentro de um eixo em defesa dos valores “ocidentais” contra os “bárbaros orientais”, mesmo tendo o Japão imperial como seu maior aliado militar. Não nos esqueçamos que os nazistas tinham importante presença na Inglaterra e nos Estados Unidos até o começo da II Grande Guerra. Com a derrota do Eixo, o passo seguinte foi a reviver a divisão da terra entre “ocidentais” (Estados Unidos e seus aliados, inclusive o orientalíssimo Japão recém-derrotado) e “orientais” (União Soviética e seus aliados). O termo “Europa Oriental” foi definido pela Casa Branca como sinônimo do que os nazistas definiam como “inimigos dos valores ocidentais”. Nessa longa e trágica história, romper com esse paradigma é um desafio para o mundo inteiro, e os BRICS, hoje, representam a principal esperança no caminho de um planeta multipolar, quebrando a hegemonia de um único grupo e dividindo as oportunidades.

DESAFIOS DO BRICS

Ampliar suas alianças, obviamente, é o principal desafio político do grupo BRICS. Mas esse repto é fundamentalmente econômico. Daí todo movimento de incorporação de novos países-membros, seja em quais categorias forem, precisa estar vinculado a esse objetivo estratégico: sucesso econômico. Apenas para focar no campo energético/petrolífero, a adesão da Arábia Saudita, Irã, e Emirados Árabes Unidos, em janeiro deste ano, foi ação importantíssima. Economicamente, o veto à petroleira Venezuela (nos dias em curso) não parece ser o gesto mais inteligente. Ah, temos o grave problema político das eleições venezuelanas, sim – mas na Arábia Saudita nem eleição tem, é uma ditadura da peste. E o mundo ocidental aceita sem reservas os ditadores sauditas, e o BRICS também. Seria de bom alvitre, sem açodamentos, reavaliar, e amadurecer, a inclusão venezuelana.