Enio Lins
Quem tem medo dos BRICS e de um mundo multipolar?
Toda vez que você ouvir, ou ler, o termo “antiocidental” fique com a pulga atrás da orelha, pois tem alguma fuleiragem, alguma intenção delituosa, por trás dele. De triste memória, “civilização cristã-ocidental” é expressão usada historicamente como bandeira de salvo-conduto para o cometimento de crimes contra a humanidade. Foi esse o espírito de porco que fundamentou as crueldades da Santa Inquisição, e que orientou o colonialismo nos massacres contra as populações tidas como “não-ocidentais”.
BRICS INCOMODANDO
Coisa recentíssima, a mídia ficou polvilhada pela expressão “antiocidental” pespegada aos BRICS. Aí tem coisa. Reportagem publicada pelo G1, ontem, coifava o seguinte bigode: “Estudiosos ouvidos pelo g1 dizem que, em um contexto global acirrado, os Brics correm o risco de parecer, aos olhos de grandes potências, uma aliança 'anti-ocidente'. Isso representa desafio para o papel do Brasil”. O termo “grandes potências” deve ser traduzido como “Estados Unidos”, o resto vai atrás do trio elétrico, saltitando e cantando: quem “aprendeu, que é do outro lado/ do lado de lá do lado/ que é lá do lado de lá”, em exercícios geopolíticos que situam Japão, Coreia do Sul, e outros tantos orientais como nações do lado ocidental, quiçá cristãs. Quando algum país se mexe para tirar a coleira americana do próprio pescoço, tá do lado de lá e recebe o carimbo de “antiocidental”.
DESAFIO PARA O MUNDO
Não é apenas “desafio para o papel do Brasil” o crescimento do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Trata-se de um desafio global romper as amarras da contemporaneidade neocolonialista. O fato, incontornável, é a insustentabilidade de um mundo com um único dono. Hitler tentou isso, construir um mundo unipolar, impondo a Alemanha nazista como epicentro de um eixo em defesa dos valores “ocidentais” contra os “bárbaros orientais”, mesmo tendo o Japão imperial como seu maior aliado militar. Não nos esqueçamos que os nazistas tinham importante presença na Inglaterra e nos Estados Unidos até o começo da II Grande Guerra. Com a derrota do Eixo, o passo seguinte foi a reviver a divisão da terra entre “ocidentais” (Estados Unidos e seus aliados, inclusive o orientalíssimo Japão recém-derrotado) e “orientais” (União Soviética e seus aliados). O termo “Europa Oriental” foi definido pela Casa Branca como sinônimo do que os nazistas definiam como “inimigos dos valores ocidentais”. Nessa longa e trágica história, romper com esse paradigma é um desafio para o mundo inteiro, e os BRICS, hoje, representam a principal esperança no caminho de um planeta multipolar, quebrando a hegemonia de um único grupo e dividindo as oportunidades.
DESAFIOS DO BRICS
Ampliar suas alianças, obviamente, é o principal desafio político do grupo BRICS. Mas esse repto é fundamentalmente econômico. Daí todo movimento de incorporação de novos países-membros, seja em quais categorias forem, precisa estar vinculado a esse objetivo estratégico: sucesso econômico. Apenas para focar no campo energético/petrolífero, a adesão da Arábia Saudita, Irã, e Emirados Árabes Unidos, em janeiro deste ano, foi ação importantíssima. Economicamente, o veto à petroleira Venezuela (nos dias em curso) não parece ser o gesto mais inteligente. Ah, temos o grave problema político das eleições venezuelanas, sim – mas na Arábia Saudita nem eleição tem, é uma ditadura da peste. E o mundo ocidental aceita sem reservas os ditadores sauditas, e o BRICS também. Seria de bom alvitre, sem açodamentos, reavaliar, e amadurecer, a inclusão venezuelana.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.