Enio Lins

Ó, Pátria amada! Dos filhos golpistas, és mãe gentil

Enio Lins 11 de outubro de 2024

Em se tratando das elites nacionais e o poder, a história do Brasil é uma história de golpes. O achamento oficial foi uma armação dos lusitanos, senhores dos mares no século XVI e que decidiram, com atraso, reconhecer o que conheciam há tempos. Dentre outras evidências, o navegador português Diogo de Teive havia comprovado o novo mundo numa viagem exploratória em 1452 – mas a coroa portuguesa tentou resguardar o segredo para si por questões geopolíticas da época. Porém, a rival Espanha zarpou na dianteira, em 1492, e contratou um navegador genovês, residente em Portugal, Cristóvão Colombo, cuja proposta de nova viagem na mesma rota de Teive havia sido rejeitada por Lisboa. A estória oficial todo mundo sabe.

GOLPES ATRÁS DE GOLPES

Segue a história como uma sucessão de rasteiras, sempre com um segmento das elites brasileiras armando uma cama-de-gato para o grupo adversário. A própria Independência, foi acontecida como um golpe da turma ligada à dinastia dos Bragança, seguindo o conselho do velho e sabido Dom João VI a seu filho Pedro: “se é para o Brasil ficar independente, ponha tu a coroa sobre tua cabeça, antes que um aventureiro o faça”. E assim foi feito. Nosso Pedro I, português imperador do Brasil (entre 1822 e 1831), é o mesmo Pedro IV, rei de Portugal (entre março e maio de 1826), e pai de Dona Maria II, a brasileira que foi rainha de Portugal (entre 1826/1828, e 1834/1853). Para nosso Pedro II assumir o trono, em 1840, aos 14 anos de idade, foi dado o “golpe da maioridade”. A Proclamação da República, em 1889, é rotulada como “golpe” há muito tempo, assim como a dita “Revolução de 30” é tida como golpe, mas dúvida não existe de que em 1937 foi um golpe da gota. Em 1954, Getúlio Vargas, golpista em 1937, deu um tiro no próprio peito para abortar novo golpe que já estava se bolindo. Para Juscelino Kubistchek poder assumir a presidência da República, legitimamente conquistada no voto, foi necessário um “golpe do bem”, dado pelo General Lott, em 1955. E, em 1º de abril de 1964, estourou o golpe militar que durou 21 anos. Em 8 de janeiro de 2023, o crime organizado achou que era hora de jair chutando mais um golpe, mas bateu na trave. É história, apesar das estórias circulantes com versões adocicadas.

A JUSTIÇA COMO ALVO

Está em curso mais um golpe. Não por acaso, exatamente no momento histórico onde o Supremo Tribunal Federal atua para cumprir seu papel e aplicar a Constituição, rompendo o longo fio da impunidade, doa a quem doer. Os doídos ficaram doidos com isso e querem porque querem empurrar o STF a uma posição de ente submisso aos demais poderes. Essa tentativa golpista, descarada, avança sob a forma de um magote de medidas legislativas conhecidas como “Pacote anti-STF”, bomba antidemocrática formada por duas PECs (Proposta de Emenda Constitucional) e dois PLs (Projeto de Lei). O trambolho tramita acelerado no Congresso Nacional, e – há três dias, em 8 de outubro –, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados “com o objetivo de diminuir o poder dos ministros e até controlar o Supremo Tribunal Federal”, conforme o Estadão resume, muito bem, em sua edição de anteontem. “Pacote anti-STF: propostas que reduzem poder da Corte avançam na Câmara; juristas criticam” é o pertinente título da reportagem, chamando a atenção de que “além dessa ofensiva na CCJ, a oposição no Senado trabalha pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O grupo protocolou um pedido de destituição dele em setembro”. Ou seja, uma saraivada de tentativas golpistas. Mais uma, sempre apostando na impenitência.