Enio Lins
Quando uma cadeirada quer dizer muita coisa
Reinaldo Azevedo, hoje nosso principal colunista nacional, destacou a impropriedade, e riscos, dos debates eleitorais realizados com normas que não só permitem, mas estimulam as práticas de provocação e agressão entre as candidaturas. Verdade também é o interesse da assistência pelo confronto pessoal, apesar das declarações em contrário. E quem organiza o pugilato anuncia “regras rigorosas” para evitar excessos. Mas o traçado avança privilegiando o engalfinhamento, numa sequência clássica de “pergunta, resposta, réplica, tréplica, e seja o que Deus quiser”. Nesse ritmo de “luta na lama”, a cadeirada na contenda da TV Cultura, finalmente, produziu um êxtase que tem ocupado febrilmente todo noticiário por dias a fio. Isso quer dizer algo.
DEBATE NÃO É BATE-BOCA
Em guerra permanente por audiência, as emissoras não arredarão pé das chances de transmitir ao vivo, e de obter incontáveis retransmissões, um insulto mais pesado, um tapa, ou uma nova cadeirada. Dificilmente mudarão essas regras, pois a estupidez vende. Daí a importância de se cobrar, em crescente veemência, a definição de mudanças capazes de proporcionar um debate político de nível cidadão, centrado em propostas e análises. A jornalista Cristina Serra cutucou a ferida: “No fundo, estão todos satisfeitos. Políticos, comentaristas que precisam de assunto pra falar 24 horas seguidas, as TVs e sites que saem do anonimato de suas existências medíocres nessa época, e, claro, o esgoto digital que precisa sempre e cada vez mais de matéria podre pra alimentar as feras. O que vemos nessa campanha em São Paulo é a ‘comunicação do grotesco’ elevada à enésima potência, conceito há muito estudado, mas agora radicalizado pela extrema direita, oferecido pela mídia como espetáculo e avidamente consumido mesmo por aqueles que o criticam”.
PROVOCAÇÃO-VITIMIZAÇÃO
Vitimizar-se é um dos objetivos dessa política de provocação continuada. E, na primeira chance, o machismo brutalizado cede lugar ao coitadismo delicado em fração de segundos. Nessa toada, antes, aquele “militar treinado para matar”, mostrou-se incapaz de se defender de uma faca de cozinha, mesmo protegido por dezenas de áulicos (todos armados e treinados para mamar), e cenografa caras e bocas até hoje, depois de seis anos que a “facada milagrosa” o catapultou para a presidência da República. Antes da cadeirada recebida, ao vivo, no debate da TV Cultura, o elemento cadeirado se esmerou em todos os debates anteriores em agressões verbais diretas, desrespeitosas, sem economizar baixarias, mentiras, calúnias e difamações contra seus adversários. Quando, enfim, conseguiu tirar um deles do sério, e levou (de raspão) uma lapada, passou ao mimimi radical, posando a inalar oxigênio e deixando-se fotografar numa cama de hospital, “feridíssimo”, apesar da pulseira verdinha indicar atendimento sem urgência. E, diziam seus assessores, teria fraturado uma (ou mais de uma) costela; e, segundo as imagens disponíveis, mesmo “ferido” continuou a trocar insultos, sem demonstrar quaisquer incômodos físicos. E, enquanto isso, nos Estados Unidos, Trump trombeteava que poderia ter sido vítima de um segundo atentado, coitado... É o marketing da vitimização dos brutos especializados em baixarias e arroubos. Deu resultado, no Brasil, em 2018, na mídia e no voto, mas – pelo menos em São Paulo – o pífio resultado da cadeirada 2024, rendendo nada para a campanha do agente provocador vitimizado, diz que esta fórmula de sucesso midiático está em declínio eleitoral. Aguardemos os próximos capítulos.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.