Petrucia Camelo

O ESFORÇO DO CACTO

Petrucia Camelo 29 de agosto de 2024

Nobre é o esforço do cacto, que plantado na aridez do sertão, retém água em suas palmas; que mata a sede do homem e a fome do gado. E em seus frutos os pássaros famintos se fartam.

Por Deus, o que poderemos dizer ao ser humano, em cujos ombros pesam a responsabilidade de uma nação? Talvez, que se doe até a alma: para que o seu exemplo encha de orgulho e honradez o seu povo, e o vento não varra da terra o seu nome.

A palavra não é somente um vocábulo, um símbolo, uma forma de comunicação. Ela indica sobretudo uma direção, e somos dirigíveis pela palavra, que nos leva a manter a fé, a esperança, a ordem ou mesmo a insubordinação.

Nesses momentos de mudanças, o novo aparece em forma de palavra – fome, a voltear sobre a nossa atmosfera, se tão bem explicada no sentido etimológico, não tão bem explícita entre o povo oriundo de um país de tantos tesouros.

Percebe-se que, no sistema governamental, novamente não se faz uso de modo tão contundente de outras palavras como: educação e trabalho, cujos sentidos ajudam a não desprezar a esperança, a não deixar abaixar a nossa autoestima; basta-nos o peso de uma outra palavra vista e revista, velha conhecida de todos, a seca, um discurso agora vencido pelo surgimento de uma nova bandeira – combate à fome.

Fome e seca são palavras avassaladoras que na prática derivam em destruição e morte, formando uma junção perigosa sob múltiplos aspectos. São irmãs siamesas filhas de um velho sistema geopolítico-financeiro, desenvolvidas num processo contínuo de desinteresse e medidas sem planejamento adequado ou de ações, como, por exemplo, assistência à criança e nenhuma aos adolescentes

As medidas paliativas ou paternalistas geram maus hábitos na população, podendo mesmo influenciar as gerações seguintes, salvo se as medidas protecionistas forem intercaladas com ações paralelas de aprendizagem e qualificações com base na dignidade humana, aproveitando as habilidades naturais do ser humano.

Caso contrário, haveremos de agir como fazemos com os animais irracionais: jogamos-lhes comida e voltamos-lhes as costas, sem dizer-lhes palavra alguma sobre procedimento, orientações à saúde e mão-de-obra etc. Até mesmo porque não há forma de diálogo.

A pirâmide social traçada na lousa da década de 70, vista em rabiscos, durante as aulas de sociologia na Universidade Federal de Alagoas, ministradas pelo renomado professor Salomão, dava-nos uma visão de classes sociais: classe alta, média, baixa, e a classe pobre.

Revendo a pirâmide na memória, não temos como fechar-lhe os ângulos; ela cresceu dos lados e para baixo, num inchaço desordenado. A classe média, que ficava instalada no meio, desceu, transmudou-se, elasteceu-se, subdividindo-se, forçosamente empurrando as demais classes para baixo.

Houve “um vai pra lá, que esse espaço é meu!” E de “meu” não tinha muito, numa atitude individualista e competitiva, resultante de vários fatores socioeconômicos, que juntos acabaram contribuindo para a formação de uma nova classe: a dos miseráveis, não registrada anteriormente naquela pirâmide social.

As personagens de “Vidas secas” de Graciliano Ramos há muito atravessaram o tempo e os limites entre o rural e o urbano e, numa marcha contínua, tomaram as cidades, posicionaram-se estrategicamente para constituírem com passividade e horror os elementos que geram a miséria. Subiram os morros, as encostas, margearam os rios, as lagoas, e a orla do mar. Estão entre nós, instalados e amontoados, gerando os seus descendentes, morando ao lado dos grandes centros, interpelando-nos em cada esquina, mostrando-nos as suas necessidades e o descaso da governabilidade, colhendo frutos de suas próprias árvores, pois não há outras formas para se renderem à vida na cidade grande.

Toda a problemática social está instalada na urbanidade; as cidades estão inchadas por camadas de menos favorecidos, há, nessa classe de miseráveis, degraus que encaminham para baixo. E as medidas paliativas tradicionais de combate à pobreza já provaram a sua pouca ou nenhuma eficácia.

Faz-se necessário um estudo aprofundado dos fenômenos fome e seca, por parte do governo, por onde passem os conhecimentos de equipes interdisciplinares, a priori os profissionais de antropologia social, cientistas, políticos, numa conjugação de esforços.

Somente por meio do conhecimento do que nos acomete é que poderemos aplicar o antídoto contra o que nos envenena e ainda ficaremos a esperar pelos resultados a médio e a longo prazo, dependendo ainda do interesse governamental para arcar com os determinantes, como os recursos para continuar suprindo o planejado, enfrentando as intempéries econômicas interna e externa.

É preciso olhar os astros, ver com maior acuidade e clareza a natureza, o ordenamento que os mantém no firmamento, para melhor mente compreender o brilho e a morte das estrelas. Mas é preciso ver, vendo, ler, lendo entrelinhas, como nos diz a mestra Renira Lisboa de Moura Lima, para que o nosso Brasil possa respirar livremente e progressivamente.

Ó, meu Deus! Como tudo isso é sabido por todos!