Enio Lins

Jacinto Silva, o coco sincopado, e mais valores a preservar

Enio Lins 24 de agosto de 2024
Jacinto Silva, o coco sincopado, e mais valores a preservar
Mestre do Coco Alagoano Jacinto Silva - Foto: Ilustração

Avisos aos navegantes: este texto é uma ode à iniciativa da celebração de Jacinto Silva, e não uma reportagem, ou avaliação, sobre o espetáculo recente em lembrança do 91º aniversário do saudoso Mestre do Coco Alagoano. Morto em 2001, aos 67 anos, foi um grande artista e não pode ser esquecido nunca. Essas linhas vão ao prelo antes da apresentação programada para sexta-feira, 23 de agosto de 2024, no Teatro Deodoro. Sobre esse evento pretendo escrever depois, sem pressa.


EVENTO PERMANENTE

Vai o aplauso pela realização dessa agenda, para a Associação Cultural Joana Gajurú (perdoem o acento impertinente), que dá sequência ao realizado em 2023, quando da celebração dos 90 anos de nascimento de Jacinto Silva. Aplausos entusiasmados! Insistindo no dito e repetido: um dos graves problemas alagoanos é a descontinuidade de boas (ótimas) ideias, como os festivais universitários de música, o Maceió Jazz, e outras tantas realizações interrompidas ao longo dos tempos. Manter o dia 23 de agosto como marco perene, vivo e musicado, à obra de Jacinto Silva, é projeto merecedor de todo apoio. E outras tantas celebridades (a maioria no esquecimento hoje) como Augusto Calheiros, Jararaca, Hekel Tavares, Peterpan, Clemilda, Gerson Filho – só para citar meia dúzia de estrelas radiosas alagoanas que brilharam no cenário musical brasileiro – merecem ter seus marcos perenizados, no mínimo, com celebrações anuais na sua terra natal.


JUSTO RECONHECIMENTO
Jacinto Silva, nascido em Palmeira dos Índios, como ele gostava de acentuar, é um dos maiores nomes do coco, manifestação cultural cantada e dançada, em tempos imemoriais, nos terreiros de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Algumas vozes ganharam projeção nacional: Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Selma do Coco – mas a maioria segue desconhecida e boa parte de seus cantares desaparecidos para sempre. Jacinto foi uma dessas celebridades desse gênero, mas padeceu do ostracismo durante décadas, mesmo valorizado por jovens artistas como Alceu Valença (anos 70) e Silvério Pessoa (anos 90), este responsável por reapresentar o coquista alagoano para o grande público, a partir dos palcos do Recife, no embalo do movimento Manguebeat. Silvério, com “Bate o Mancá: O Povo dos Canaviais”, releu e ressuscitou artisticamente Jacinto, no derradeiro grande reconhecimento da obra do mestre antes de sua morte. Alagoas precisa dar continuidade a este imenso exemplo, e seguir na batida do mancá com toda força.


UMA LEMBRANÇA PESSOAL

Num dia qualquer, em 1997, Tororó do Rojão (1936/2011), outro artista monumental que não pode ser esquecido, me liga com um convite: “Venha tomar um café com cuscuz comigo, aqui na minha casa, amanhã de tarde. Mas é pra vir mesmo!”. Fui. Manoel Apolinário da Silva morava no trecho onde a Avenida Comendador Leão faz a curva para se encontrar com a Rua Dona Constança, bairro do Poço. A pequena casa era vizinha a um estabelecimento que, durante muitos anos, usou a inusitada denominação de “Galeto na Brasa Joana d’Arc” (termo que o saudoso Plínio Lins sempre citava como caso de dúvida: o autor estaria provocando ou era pura ignorância?). Pois bem, lá chegando, Tororó, envaidecido, me apresentou a um senhor já sentado à sua mesa: “Este aqui é meu irmão branco, Jacinto Silva!”. Conversamos a tarde toda, infelizmente num tempo em que os celulares eram só telefones, não fotografavam nem filmavam. De lá saí feliz e emocionado, com a memória enriquecida e com um LP autografado. Viva Jacinto, viva Tororó! Vocês não podem ser esquecidos jamais.