Enio Lins
Bangladesh no olho do furacão, e com o banqueiro dos pobres no epicentro
Embora os focos principais das mídias mundo afora, em suas editorias internacionais sejam quase exclusivamente voltados para temas como Venezuela, Ucrânia, Gaza, eleições nos Estados Unidos e os países europeus mais poderosos, existem mais pautas explosivas circulando neste mundo redondo e sofrido. Uma dessas nos remete à Bangladesh, nação de maioria muçulmana que um dia foi o Paquistão Oriental, e muito antes disso, e por muito tempo, era parte integrante da Índia.
HISTÓRIA RECENTE
Bangladesh foi criada em 26 de março de 1971, depois de uma guerra de independência com estatísticas confusas, cujo número de mortos varia entre 30 mil e três milhões a depender de quem relata. A nação tem como “pai-fundador” Sheikh Mujibur Rahman que, segundo a Wikipédia, “introduziu a regra do partido único em janeiro de 1975. Seis meses depois de assumir o governo [pela segunda vez], ele e a maior parte de sua família foram assassinados (...), durante um golpe militar que decretou a Lei Marcial”. Sua filha mais velha, Sheikh Hasina Wajed, sobrevivente da chacina, tornou-se a herdeira política e governou Bangladesh por 20 anos, em dois períodos, entre junho de 1996 e julho de 2001, e de janeiro de 2009 até 5 de agosto de 2024, quando fugiu do país, derrubada por uma imensa onda de protestos populares. E, na balbúrdia que assola aquele país, o “banqueiro dos pobres” foi chamado para tentar dar alguma ordem ao caos.
BANQUEIRO DOS POBRES
Muhammad Yunus, aos 84 anos, Prêmio Nobel da Paz em 2006, ganhou fama mundial pela criação do Grameen, considerado a primeira instituição de crédito voltada para clientes de baixa e baixíssima renda. O microcrédito tem sua invenção creditada a ele, que o implantou em Bangladesh nos idos de 1976, visando oferecer pequenos valores para pessoas humildes e micronegócios, tomando dos agiotas esse público sofrido e bom pagador. Sucesso total, o catapultando à condição de referência para os defensores de um capitalismo menos selvagem. O crescimento do Grameen evoluiu para sua transformação em banco (1983) e para levar seu fundador ao ringue das guerras políticas. A poderosa Hasina Wajed o elegeu como adversário e se esmerou em o detonar, mas sem sucesso em abalar sua imagem icônica no país ou no Exterior. No desfecho da grande crise deste mês, em seguida à fuga da primeira-ministra, os jovens revoltosos indicaram Muhammad Yunus como mediador, e o banqueiro da pobreza aceitou o papel de principal consultor do novo governo nacional.
CENÁRIO CAÓTICO
Segundo a BBC. “o governo de Sheikh Hasina entrou em colapso na segunda-feira [dia 5], após mais de um mês de protestos da população, sobretudo dos jovens” contra uma lei que restringia o acesso da população a postos de trabalho no sistema público (em benefício de descendentes dos militares), “mas a dura repressão estatal às manifestações, que deixou cerca de 400 mortos, fez com que o objetivo das mobilizações deixasse de ser apenas a anulação da regra, mas também a demissão da primeira-ministra”. Segue a BBC indicando que “a corrupção em Bangladesh tem sido um problema contínuo. De acordo com todas as principais instituições de classificação, Bangladesh se encontra rotineiramente entre os países mais corruptos do mundo (...)”. Em tal cenário a juventude bengali (em fúria, nas ruas) convoca para o posto de salvador da pátria o nome mais respeitado de seu país, e lá vai o homem do microcrédito para uma missão macro, quase impossível. Oxalá acerte, o mundo precisa de boas notícias.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.