Enio Lins
A desnutrição é um velho instrumento de dominação
Anunciada na quarta-feira, 24 de agosto, a Aliança Global foi aprovada por unanimidade durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro. Evento com a presença de representantes dos países que são as 20 maiores economias do mundo, teve a participação extra da União Europeia e da União Africana. O Brasil (autor da proposta) e Bangladesh foram os dois primeiros a aderir. Segundo divulgado, “a Aliança está aberta a governos, organizações internacionais, instituições de conhecimento, fundos e bancos de desenvolvimento, e instituições filantrópicas”. Merece aplausos e apoios entusiásticos. Mas – reconheçamos – não será fácil a vida da nova entidade.
A FOME É UM NEGÓCIO
Desde a antiguidade, a fome rende gordos lucros para quem tenha estômago de nela investir. A inópia tem sido elemento essencial na ampliação do poder político das castas dominantes em comunidades antiquíssimas na África e na Ásia. Nas antigas civilizações, durante muitos séculos, o cerco às cidades e/ou fortalezas era a forma mais eficiente de subjugação, pois sem ter o que comer e beber, a rendição era inevitável. E, entre nós, no Nordeste brasileiro, a privação de água e comida durante as secas foi um dos fatos responsáveis pela ampliação voraz do latifúndio, através da fragilização das famílias proprietárias de pequenas glebas, forçadas a migrar deixando tudo para trás – eram os “retirantes”, retratados em obras clássicas como “O Quinze” de Rachel de Queiróz e “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. As populações nativas do atual território dos Estados Unidos foram vítimas de um genocídio em que a fome jogou papel essencial para a expropriação de suas áreas ancestrais, especialmente no Velho Oeste. A dizimação dos bisões, principal fonte de sobrevivência para os índios norte-americanos, foi uma ação tão cruel quanto planejada (que teve seu auge em 1890), e que matou muito mais peles-vermelhas que os combates travados contra os caras-pálidas. Na Amazônia de hoje, agora mesmo, a fome escraviza e mata tribos inteiras, vide o caso Yanomami.
A INANIÇÃO INSTITUCIONAL
Assim como nos cercos às cidadelas na Idade Média, a privação de alimentos (também chamada de inânia) é largamente usada na contemporaneidade para imobilizar ou matar instituições consideradas incômodas. Vejamos o recente caso da UNRWA, entidade da ONU destinada à assistência humanitária aos refugiados palestinos: para impedir a continuidade das ações de solidariedade praticadas pela instituição na Faixa de Gaza, atendendo às pressões do governo israelense, dez dos até então principais países financiadores – Alemanha, Estados Unidos, Austrália, Japão, Itália, Holanda, Canadá, Finlândia, Suíça e Reino Unido – suspenderam suas doações regulares à Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para Refugiados da Palestina exatamente durante o atual genocídio praticado por Israel. A justificativa, pueril e nunca provada, foi de que alguns funcionários da instituição seriam simpatizantes do Hamas (e, se caso fossem, em que isso atrapalharia a missão de socorro humanitário na região??). O fato, objetivo e implacável, é que as entidades também morrem de fome, imobilizadas pela ausência de recursos.
Por todas essas experiências históricas, a recém-criada Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, cuja certidão de nascimento é carioca, oxalá sobreviva, mas a bichinha é forte candidata à desnutrição severa, pois – no mundo todo - a inanição de muitos segue sendo instrumento de riqueza e poder para poucos e poderosos.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.