Enio Lins

Velhas e novas tragédias dos viventes da Lagoa Mundaú

Enio Lins 24 de julho de 2024

Em reportagem de Valdete Calheiros, a Tribuna abordou, na edição de 20 de julho, o agravamento da crise sofrida pelos sobreviventes da Lagoa Mundaú. Problema antigo, agravado pelo crime ambiental da Braskem.

PRIMÓRDIOS

Desde o início da colonização, o complexo lagunar Mundaú-Manguaba, um dos maiores tesouros naturais brasileiros, foi alvo da intervenção desregrada e predatória. Os cursos d’água eram as vias de acesso ao interior e base inicial da ocupação do território, tanto que o Opara dos nativos, rebatizado como Rio São Francisco, foi conhecido como “Rio dos Currais” por ser o conduto da pecuária neste pedaço do Novo Mundo. As lagoas Mundaú e Manguaba e seus afluentes (os principais localizados nos vales dos rios Mundaú e Paraíba do Meio) cumpriram este mesmo papel de “estradas” para as atividades econômicas de todo o tipo, desde a pecuária até a cana-de-açúcar, passando pelo comércio e pela consequente urbanização.

ACUMULADO PROBLEMAS

Ao longo dos séculos, essa ocupação não teve regras destinadas a harmonizar o uso econômico e cuidados mínimos com a conservação da Natureza. Os danos foram se acumulando. A multiplicação das fazendas e dos engenhos, em ritmo acelerado, eliminou as matas ciliares (vegetação protetora das margens dos cursos d’água), expondo rios e lagoas ao assoreamento e à erosão fluvial, assim como o povoamento das margens por núcleos urbanos cada vez maiores fez surgir a tragédia da poluição orgânica. Especialmente a partir da segunda metade do século XIX, com o crescimento exponencial de Maceió como capital alagoana, a Lagoa Mundaú foi particularmente prejudicada pela deterioração galopante das condições ambientais.

O SUMIÇO DO SURURU

Até recentemente, eram tidas como principais causas da degradação ambiental da Lagoa Mundaú a tiborna e o esgoto doméstico, somadas ao assoreamento (responsável pela redução da profundidade e afetando o processo natural de salinização). Nesse horizonte de agravamento das crises, onde ondas de mortandade de peixes chocavam a opinião pública, a mais sentida tragédia foi o “desaparecimento do sururu”, uma redução abrupta da população do molusco, no começo dos anos 80, que traumatizou o imaginário local, pois o dito cujo, historicamente abundante, era o símbolo culinário de Maceió e principal fonte de alimentação (e de renda) dos menos favorecidos. Vivente sensível às mudanças de salinidade em seu habitat, o sururu quase foi extinto nessas paragens, prejudicando milhares de famílias que dependiam dele para seu sustento.

BRASKEM & PREFEITURA

Esses sofrimentos históricos foram terrivelmente multiplicados por conta do crime ambiental causado pela exploração irresponsável do sal-gema. Os riscos de colapso nas muitas minas situadas nas margens (e no leito) da Lagoa Mundaú causaram, de uma hora para outra, mudanças ainda mais radicais nos hábitos da pesca em toda região afetada. No final do ano passado, o governo federal anunciou a liberação de um “auxílio financeiro de R$ 2.640,00 para cerca de seis mil pescadores e marisqueiras, afetados pelo risco de colapso de uma mina da Braskem em Maceió”, conforme noticiou a mídia em 5 de dezembro. Aplausos para o governo federal por aquele socorro, mas a principal responsabilidade pela ajuda aos pescadores, marisqueiras e demais profissionais desse segmento na capital alagoana é da prefeitura de Maceió. Afinal qual deve ser o destino dos R$ 1,7 bilhão pagos pela Braskem para o município? Festas e campanha eleitoral?