Enio Lins

Sobre o 132º aniversário do TJAL – Capítulo dois

Enio Lins 13 de julho de 2024
O juiz e historiador Claudemiro Avelino e o desembargador Fernando Tourinho, presidente do TJAL, apresentam a histórica apólice do polêmico empréstimo de 1905/1906

“Decidiu-se, portanto, para levantar o teatro, arranjar na Europa um empréstimo, que no decorrer dos anos subiu extraordinariamente. O dinheiro obtido produziu vários benefícios, especialmente à personagem encarregada das negociações. Esse funcionário viajou bastante: percorreu alguns países, fixou-se na França, mudou-se para lugar mais seguro e aí findou os seus dias tranquilo, gordo, europeu, tão esquecido da língua materna que já nem compreendia a vasta correspondência que o chamava. Não houve meio de repatriá-lo, apresentá-lo aos correligionários saudosos”
– assim Graciliano Ramos escreveu no conto/crônica “Teatro I”, fundindo fatos e versões, na revista Cultura Política, em setembro de 1941, e posteriormente ajuntada a outros escritos no volume “Viventes das Alagoas”. Mas o que isto tem a ver com o 132º aniversário do TJAL?


OS SUMIÇOS DO EMPRESTADO


Mestre Graça, em seu texto curto e cortante, irônico, abordou – real e metaforicamente – um dos maiores escândalos alagoanos de todos os tempos: a malversação de vultosos valores do empréstimo contraído pelo governo estadual, em 1905/1906, junto a bancos franceses e ingleses. Esse dinheirão teria sido desviado localmente em usos diversos e, além disso, os pagamentos enviados aos credores europeus teriam sido surrupiados pelo representante alagoano na França, José de Barros Wanderley de Mendonça. Esta querela, evidentemente, bateu às portas dos tribunais daqui e da Europa, com os bancos exigindo os valores corrigidos e acrescidos dos juros em cascata decorrentes da inadimplência acintosa.


DUPLO DESEMBOLSO


Ao fim e ao cabo de longa pendenga internacional, o Estado de Alagoas pagou. Pagou duas vezes, considerando que o erário foi aliviado das parcelas enviadas e não depositadas nos bancos credores, e aliviado novamente quando do recolhimento aos cofres dessas instituições do montante inadimplente. Em 2017, quando do Bicentenário da Emancipação Alagoana, a Secretaria da Fazenda, em inciativa do então titular, George Santoro, publicou uma coleção intitulada “Fazendo as Contas: O Erário e o Bicentenário”, contendo três livros sobre as mais importantes ocorrências fiscais nesses 200 anos: “Cem Annos de Economia e Finanças de Alagoas”, de Leite e Oiticica e Craveiro Costa; “Relatórios de Graciliano Ramos na Prefeitura de Palmeira dos Índios”, e... “O Empréstimo Externo de Alagoas”, de Affonso de Carvalho e Silvestre Péricles – que destilou nessa publicação sua conhecida virulência contra o acusado e contra as autoridades que lhes deu guarida.


ENFIM, UMA PROVA CABAL


Caso repleto de idas e vindas, conforme resumo excelente feito por Edberto Ticianeli no site História de Alagoas, faltava um documento mais explícito do crime cometido por Wanderley de Mendonça, que findou seus dias no dia 24 de outubro de 1928, em Paris – sem tostão, nem tranquilo nem gordo, como mero presidiário na detenção La Santé, depois de viver como milionário durante anos.


Enfim, chegou-nos um documento de enorme carga trágica, graças a ação do juiz e historiador Claudemiro Avelino e do TJAL. No dia 10 de julho, durante as comemorações do 132º aniversário do TJAL, foi entregue ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Fernando Tourinho, e está exposta no Centro de Cultura e Memória do Poder Judiciário, a apólice original do empréstimo, acompanhada das estampilhas (e não selos ou tickets, como alerta George Santoro) destinadas a comprovar os pagamentos das parcelas, intactos, menos uns três, reafirmando visualmente a extensão do calote antológico.