Enio Lins

O freio de arrumação britânico e sua importância para o mundo

Enio Lins 11 de julho de 2024

Rei Charles III, data vênia: vamos cometer aqui e agora algumas mal traçadas linhas sobre a virada de urna ocorrida no Reino Unido, em desfavor da direita, com o Partido Conservador sofrendo uma derrota acachapante, interrompendo seus 14 anos de aluguel da casa número 10 de Downing Stret, em Westminster, Londres.

ESQUERDA? SEI NÃO, MAS...

Digamos ser um pouco demais considerar o Partido Trabalhista de esquerda, assim como é exagero entender o Partido Conservador como neofascista. Ambas as agremiações orbitam o centro, com os conservadores girando mais à direita que os trabalhistas. Mas a canhota mesmo, por lá, nunca mais deu notícia. É bom lembrar ter sido o trabalhista Sir Tony Blair (primeiro-ministro entre 1997 e 2007) um conservador patético e tão subserviente à política direitista estadunidense que ficou conhecido como o “poodle de Bush”, como publicado há 22 anos, em 10 de julho de 2002, pela revista IstoÉ: “O novo clipe do cantor George Michael tem dois endereços certos: o governo americano e o governo inglês. Trata-se de um desenho animado em que o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, aparece como um cachorro poodle do presidente dos EUA, George Bush. Ele manda e desmanda e o cão o obedece abanando o rabo”. Bom, vamos dar um voto de confiança e esperança no humanismo e na autonomia do novo governo trabalhista do Reino Unido.

RESULTADO MUITO SIGNIFICATIVO

Deixando de lado as fronteiras mais dogmáticas nos territórios da ideologia, mesmo sem rotular o Partido Trabalhista como “de esquerda”, é indispensável reconhecer sua vitória como uma grande derrota da direita internacional, posto o Partido Conservador ser tido e havido como uma referência dourada para a maioria das tendências destras mundo afora – embora, justiça seja feita, não guarde semelhança com nenhuma das alopradas vertentes da ultradireita. O triunfo trabalhista, conquistando 412 cadeiras, quando a maioria seria alcançada com 326 lugares, foi avassalador. O trabalhismo britânico mais que dobrou, em 2024, a votação recebida em 2019, quando saiu das urnas com 203 assentos. O Partido Conservador desabou de 365 para 121 poltronas. Além dessas duas maiores siglas, merece atenção o crescimento do Partido Liberal-Democrata, tido como centro ou centro-esquerda, que pulou de 11 para 71 vagas. Outras cinco legendas se aboletaram em 45 cadeiras restantes, fechando a conta.

PROBLEMAS REAIS, SOLUÇÕES REAIS

Em sua avaliação sobre os resultados da eleição 2024, a conceituada rede de comunicação britânica BBC, lista quais seriam algumas das principais causas da derrota conservadora e selecionamos quatro delas: 1) Escândalos e crises que marcaram as gestões do Partido Conservador; 2) Economia em baixa e custo de vida em alta; 3) Imigração e seus problemas decorrentes; 4) Nacionalidades no Reino Unido. Resumindo: esses desafios reais terão que ter respostas reais. Os votos recebidos pelo Partido Trabalhista para derrotar o Partido Conservador devem-se ao anseio do eleitorado britânico por soluções palpáveis para esses problemas e não por um engajamento ideológico de carteirinha. Assim, são redobradas as responsabilidades políticas/administrativas das forças democráticas, pois a ultradireita (o crime organizado na política) se aproveita dessas brechas para assaltar o poder, inclusive pelo voto, como fizeram os nazistas na Alemanha, em 1933, marchando sobre os problemas não resolvidos pela democrática, mas ineficiente, República de Weimar. E essas tragédias históricas não podem ser repetidas, nem mesmo como farsas.