Petrucia Camelo

INVERNO LACRIMAL

Petrucia Camelo 05 de julho de 2024

O céu está em estado lacrimal; chora prantos como se quisesse aliar-se ao pranto humano, que chora os seus dissabores nos quatros cantos do mundo. Ó chuva, como quisera que a sequência de suas torrentes fosse amena, fosse de brisa, e não de tormenta! Mas, quando não se quer crer em milagres, eles não se realizam; porém, se não se pede a intercessão de Deus nos momentos cruciais, a quem se há de pedir?

O Deus dos efeitos climáticos e o deus da terra que domina os homens parecem que, de quando em quando, juntos preparam a ceia e as conversas à mesa nem sempre são as que mais agradam a Deus, único e imutável. Os efeitos climáticos, são benéficos, mas, ao se excederem, geram efeitos desastrosos, e os dirigentes humanos, que criam as leis do modo de suas naturezas e de seus comportamentos e que nem sempre assumem por inteiro o que é de suas competências, geram situações aniquiladoras, que, em cadeia, atingem a população, cabendo a parte maior às pessoas pobres.

Quando as necessidades básicas estão insatisfeitas e sem poder evitar as consequências, fazem o ser humano tornar-se um andarilho, como as folhas mortas a esvoaçarem até pararem e apodrecerem embaixo das marquises, das árvores, das praças e nessa caminhada desafortunada ameaçada por inúmeros perigos; não há prêmio e mais: os indivíduos atingidos ainda atribuem a má sorte a castigos de Deus.

Enfim, os menos favorecidos não são herdeiros nem da terra, nem dos céus. Então, cabe a pergunta; e o que faz com que sobrevivam em meio às catástrofes? Talvez, “o viver por si” que os leva a manusear as pequenas coisas, talvez as associações do espírito, como a coragem, a esperança, a fé inerente a todo ser humano, impele-os a continuar e fazem que acredite que um dia haverá melhoras, mesmo sem se perguntarem de onde virão. Vivem cada dia como se fosse o primeiro subsistindo com o apurado do dia.

Justamente nos meses das chuvas, por essa época, a chuva despenca torrencialmente, mudando a paisagem, soterrando, formando entulhos, obstáculos, abrindo novos caminhos para o desague, como se fosse um canal lacrimal que coisa alguma impede de deixar caírem as lágrimas, e não deixa de ser curioso quando se pode observar que esses novos caminhos formados pelas águas das chuvas que descem das encostas em enxurradas serão, no passar do inverno, o local apropriado onde os carentes e seus descendentes, que tendem a aumentar, farão as suas novas moradas. É chocante a observação de que eles serão novamente as próximas vítimas do inverno que há de vir.

E assim, os desassistidos, numa luta desigual, viajam de estação a estação climática com seus infortúnios à mostra a chorarem junto às intempéries, acompanhados das mesmas tomadas de decisões limitadas, paliativas de ações governamentais que cristalizam a marginalização, ensinando-lhes a colherem o fruto sem plantá-lo, como bem diz o sociólogo Sergio Buarque de Holanda.

Geralmente, essa população é testemunha muda do que lhe acontece. Por falta da luz do entendimento, são ignorantes e ignorados, não encontrando, por si sós, uma travessia em meio ao mar de águas e de lágrimas de desamparo que faça que melhore de vida.