Enio Lins

São João, os mitos católicos e as farras em seu nome

Enio Lins 26 de junho de 2024

Como sempre, quando das tradicionais festas pagãs recicladas pelo catolicismo, vão aqui e agora umas linhas sobre esse fato cultural milenar de grande força na cultura popular brasileira. Correndo tudo bem, no próximo ano, repetir-se-á a mesma pauta neste espaço. Então, viva Sanjão, festejado anteontem, 24, mas cujo nome inspira o período.

CENTRANDO A AGENDA

São João teve seu dia cravado entre Santo Antônio e São Pedro, compondo a trilogia católica escalada para ocupar o espaço pagão dedicado à deusa Juno, possuidora de forte devoção muito antes do surgimento do cristianismo. O povão, mesmo quem se convertia à fé cristã, não largava mão dos festejos juninos – música, dança, comida, bebidas alcoólicas e namoros à vontade. A solução, para o papado, foi abduzir aquela pândega, rebatizando-a como católica e os três santos foram enfiados goela abaixo da folia pagã para cristianizar o período. Assim João entrou nessa dança.

DATA NATALÍCIA

24 de junho foi artificializado como o dia de nascimento de João, dito Batista. Nunca se soube da data de nascimento dele, embora sua morte possa ser deduzida como ocorrida em 29 de agosto do ano 28 ou 30. Como surgiu então o 24 de junho? Foi inventada a partir de outra data natalícia fictícia: a de Jesus, arbitrada em 25 de dezembro para coincidir com o aniversário de várias divindades pagãs, especialmente Mitra. Como os antigos escritos diziam que João havia nascido seis meses antes de Jesus, de quem seria primo, bingo! Essa data foi arrumada, em outra superposição planejada, pois o aniversário de Jesus/Mitra coincide com o período de festejos solsticiais em dezembro. Antônio, João e Pedro são comemorados no outro período solsticial, em junho, apesar de não corresponder aos dias exatos desses solstícios, mas aos períodos, como bem lembra Ricardo Cabús.

LONGA TRADIÇÃO

Registram-se as primeiras comemorações joaninas no período junino no Século IV, quando da adoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano pelo imperador Teodósio I, no ano 380 (mas já era crença muito poderosa depois que Constantino, imperador entre os anos 306 e 337, retirou o culto cristão da marginalidade). A consolidação dessa expropriação dos festejos pagãos teria sido oficializada no Calendário Litúrgico por volta do Século XIII, segundo a professora Valéria Rocha Torres, doutora em ciências da religião pela PUC-SP. Declarou ela ao UOL: “As festas, na Europa, estão ligadas à colheita. São festas pagãs, mas não há como precisar, historicamente, como isso começou. Posteriormente, por volta do século 12 ou 13, o catolicismo se apropria e insere o tempo litúrgico nessas festas. As festas juninas são bem emblemáticas porque trazem essa alegria da devoção. A colheita é vida, então, a festa junina traz isso”.

MITOS JOANINOS

João Batista reúne em sua figura antigos mitos, desde o batismo até o milagre de ter sido gerado em ventre de mulher idosa, Ana (que repete a graça de Sara, no Judaísmo). No Novo Testamento, João é o primeiro e único profeta (sem contar Jesus, lógico), pois os profetas anteriores ficaram confinados no Velho Testamento. João também é usado como vetor para o mito machista da mulher má, pois sua decapitação é atribuída a um pedido feito pela dançarina Salomé ao rei Herodes. Ele é também uma referência ao despojamento material, por sua suposta vida ascética e naturalista. Em resumo: Viva Sanjão! E vamos até São Pedro, na mesma toada: música, festa, comida, bebida e namoros.