Enio Lins

Uma botija (re)encontrada, e (re)publicada

Enio Lins 05 de junho de 2024


Segunda-feira, conforme noticiado, foi lançado o livro “A Imprensa Alagoana no Ocaso do Império (1878 – 1889)”, de Douglas Apratto Tenório, cuja primeira edição, remetida ao prelo há 49 anos, desapareceu sem praticamente deixar vestígios até o historiador Cícero Péricles de Carvalho topar com o texto original – numa verdadeira botija guardada dentro de casa por Simone Carvalho, esposa e editora da saudosa Catavento.

GRANDE INICIATIVA

Joaldo Cavalcante, no comando da SECOM/AL, teve a excelente ideia de publicar essa obra. Está certíssimo, pois cada livro é uma “mídia”, como o vernáculo contemporâneo gosta de carimbar. E quando se devolve à luz uma publicação seminal sobre a imprensa local, o Estado, através de seu órgão de comunicação, cumpre exemplarmente sua função cidadã. Está de parabéns, também, o governador Paulo Dantas, fiador dessa realização. Quem venham mais e mais livros.

FONTE VALIOSA

É a imprensa uma fonte inesgotável para pesquisas de todos os tipos, em todos os níveis. Nesse trabalho de Douglas Apratto, através das linhas editoriais dos periódicos apresentados, comprova-se a riqueza e a diversidade na luta de ideias em vários municípios alagoanos no século XIX. Conservadores, revolucionários, abolicionistas, escravocratas, feministas, monarquistas, republicanos, carolas, vão se expondo em caixa alta e caixa baixa – e com pitadas de humor deliciosamente contemporâneas, como bem identificou Fábio Guedes, presidente da FAPEAL.

HUMOR CENTENÁRIO

Vários periódicos caprichavam na sátira – como o semanário (republicano) “O Mequetrefe”, em sua seção “chistosa”: “O soberano rege o povo/ O papa abençoa ambos/ O soldado serve aos três/ O contribuinte mantém os quatro/ O advogado deffende os cinco/ O médico mata os seis/ O cirurgião faz autópsia dos sete/ O frade vive à custa dos oito/ O cura encomenda os nove/ A morte acaba com os dez/ O coveiro enterra os onze”.

CRÍTICA SOCIAL

Circulando em Pão de Açúcar, às quintas-feiras, “O Horizonte” definia-se como hebdomadário “humorístico, literário e noticioso” e, numa de suas matérias, noticiava: “A farinha de mandioca tem alcançado um preço fabuloso devido ao atravessamento que fazem desse gênero alimentício – OS MONOPOLISTAS. Sábado próximo passado logo cedo custavão 10 lts [litros] 800 rs [réis]; ao meio-dia 1000 rs ; às 2 horas 1.200 e de 2 horas em diante 1280, 1500$$. A câmara Municipal e seos respectivos agentes são cegos, surdos e mudos ante este estado se cousas. Quando aproximam-se as eleições todos querem ser vereadores, prometem mundos e fundos; depois eleitos, adeus minhas encomendas, Babáu, Tia Joana – Voltaremos ao assumpto.”

PÁGINAS FEMINISTAS

Publicou “O Guarani”: “É preciso que a mulher se convença que ela não nasceu somente para amar e ser amada. A sociedade é o domínio da mulher. A mulher há de ocupar no futuro o lugar próprio no mundo social e é essa a missão que a Providência incumbiu-lhe, mas que os homens usurparam-na. Senhoras, a sociedade é vossa, a imprensa, portanto aguarda os cantos imortais de novas Georges Sands...”.

Por sua vez, a “Revista Alagoana” que tinha como “Proprietárias e redactoras – Maria Lúcia D'Almeida Romariz e Rita de Mendonça Barros Correa”, asseverava que: “Defendemos a educação da mulher contra a teoria decrépita da pretendida ‘physicologia da mulher condenada pela natureza à incapacidade e ao atraso mental’ e contra as vozes indignadas pela intromissão das mulheres no campo político. Teorias falidas que já não se coadunam com nossos tempos progressistas”.

- Um tesouro inesgotável! Voltaremos a essa pauta em breve.