Enio Lins
Uma botija (re)encontrada, e (re)publicada
Segunda-feira, conforme noticiado, foi lançado o livro “A Imprensa Alagoana no Ocaso do Império (1878 – 1889)”, de Douglas Apratto Tenório, cuja primeira edição, remetida ao prelo há 49 anos, desapareceu sem praticamente deixar vestígios até o historiador Cícero Péricles de Carvalho topar com o texto original – numa verdadeira botija guardada dentro de casa por Simone Carvalho, esposa e editora da saudosa Catavento.
GRANDE INICIATIVA
Joaldo Cavalcante, no comando da SECOM/AL, teve a excelente ideia de publicar essa obra. Está certíssimo, pois cada livro é uma “mídia”, como o vernáculo contemporâneo gosta de carimbar. E quando se devolve à luz uma publicação seminal sobre a imprensa local, o Estado, através de seu órgão de comunicação, cumpre exemplarmente sua função cidadã. Está de parabéns, também, o governador Paulo Dantas, fiador dessa realização. Quem venham mais e mais livros.
FONTE VALIOSA
É a imprensa uma fonte inesgotável para pesquisas de todos os tipos, em todos os níveis. Nesse trabalho de Douglas Apratto, através das linhas editoriais dos periódicos apresentados, comprova-se a riqueza e a diversidade na luta de ideias em vários municípios alagoanos no século XIX. Conservadores, revolucionários, abolicionistas, escravocratas, feministas, monarquistas, republicanos, carolas, vão se expondo em caixa alta e caixa baixa – e com pitadas de humor deliciosamente contemporâneas, como bem identificou Fábio Guedes, presidente da FAPEAL.
HUMOR CENTENÁRIO
Vários periódicos caprichavam na sátira – como o semanário (republicano) “O Mequetrefe”, em sua seção “chistosa”: “O soberano rege o povo/ O papa abençoa ambos/ O soldado serve aos três/ O contribuinte mantém os quatro/ O advogado deffende os cinco/ O médico mata os seis/ O cirurgião faz autópsia dos sete/ O frade vive à custa dos oito/ O cura encomenda os nove/ A morte acaba com os dez/ O coveiro enterra os onze”.
CRÍTICA SOCIAL
Circulando em Pão de Açúcar, às quintas-feiras, “O Horizonte” definia-se como hebdomadário “humorístico, literário e noticioso” e, numa de suas matérias, noticiava: “A farinha de mandioca tem alcançado um preço fabuloso devido ao atravessamento que fazem desse gênero alimentício – OS MONOPOLISTAS. Sábado próximo passado logo cedo custavão 10 lts [litros] 800 rs [réis]; ao meio-dia 1000 rs ; às 2 horas 1.200 e de 2 horas em diante 1280, 1500$$. A câmara Municipal e seos respectivos agentes são cegos, surdos e mudos ante este estado se cousas. Quando aproximam-se as eleições todos querem ser vereadores, prometem mundos e fundos; depois eleitos, adeus minhas encomendas, Babáu, Tia Joana – Voltaremos ao assumpto.”
PÁGINAS FEMINISTAS
Publicou “O Guarani”: “É preciso que a mulher se convença que ela não nasceu somente para amar e ser amada. A sociedade é o domínio da mulher. A mulher há de ocupar no futuro o lugar próprio no mundo social e é essa a missão que a Providência incumbiu-lhe, mas que os homens usurparam-na. Senhoras, a sociedade é vossa, a imprensa, portanto aguarda os cantos imortais de novas Georges Sands...”.
Por sua vez, a “Revista Alagoana” que tinha como “Proprietárias e redactoras – Maria Lúcia D'Almeida Romariz e Rita de Mendonça Barros Correa”, asseverava que: “Defendemos a educação da mulher contra a teoria decrépita da pretendida ‘physicologia da mulher condenada pela natureza à incapacidade e ao atraso mental’ e contra as vozes indignadas pela intromissão das mulheres no campo político. Teorias falidas que já não se coadunam com nossos tempos progressistas”.
- Um tesouro inesgotável! Voltaremos a essa pauta em breve.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.