Petrucia Camelo

RIO SÃO FRANCISCO

Petrucia Camelo 03 de junho de 2024

Em Alagoas, ao pisar as margens do Rio São Francisco, sente-se o aroma das flores silvestres e olha-se a serenidade das águas; é como se ouvisse o sussurrar de um honroso convite: “Toma o teu barco e segue-me”, tal é a magnitude da paisagem ribeirinha.

Não é preciso atravessar os mares para ver belezas naturais; elas existem em borbotões nos recantos do Brasil, particularizando, em Alagoas, que é composta por múltiplas regiões de encantamentos naturais; dentre elas, a da região da simplicidade sertaneja, banhada pelo famoso Rio São Francisco, com margens de formação rochosa que talham o cânion, que fazem mergulhar aqueles que gostam do turismo interno, a molharem os cabelos num mergulho de corpo inteiro e depois saborear as delicias da arte-culinária regional e em seguida dormirem um sono reparador.

Mas o convite do rio é tentador e imensurável, pois se expande para quilômetros de distância, levando a conhecer os atrativos ribeirinhos do sertão. Mas, para isso, é preciso percorrer as distâncias por rota fluvial ou terrestre. E, ao optar pelas estradas empoeiradas, sopradas pelo vento morno, envereda-se numa imensidão de terra nua, quase deserta de transeuntes, de onde se veem resquícios das tradições de que o sertão não deixou o passado para trás; resiste a contrastar com a modernidade.

E pelas estradas empoeiradas hão de se ver transportes motorizados. Além de circularem desordenadamente pelas feiras, por entre animais de tração, contrastam ao trafegarem na mesma direção com o sertanejo, fazendo o mesmo percurso em montarias utilizadas no transporte de cargas, montado sobre as costelas aparentes de animais como o desenho de costela de vaca disposta na estrada de barro sopradas pelo vento: assim explica o nativo, quando se pergunta sobre a situação das estradas.

A ladearem os caminhos, a flora e a fauna típica da região deixam a paisagem de cor ora marrom, ora verde, com uma sonoridade de canto de pássaros que não se veem. Entre a escassa vegetação nativa, é peculiar a flor de seda, pela forma de cachadas de bulbos que guardam um recheio de fios de seda tão sedosos, que servem para encher travesseiros de recém-nascidos, entremeados pela variedade de cactos que brotam da terra seca esturricada; compostas de barro e pedregulhos, parecem braços abertos para o alto, como se estivessem pedindo clemência ao sol causticante.

Prosseguindo viagem, chega-se ao distrito de Entremontes, comunidade ribeirinha onde as famílias se dedicam ao artesanato, em especial à arte do rendendê, pequeno povoado de entrada ornamentada por variações de flores; de espaçosa praça que serve de ponto central, circundada por casas de pinturas coloridas, como uma tela do artista plástico José Zumba.

Em portas, cartazes com inscrições: Casa do Bordado, mas uma, em especial, chama a atenção: “Cooperativa de Bordados”, que logo leva a deduzir que há olhar voltado para o desenvolvimento econômico daquelas senhoras, sertanejas, trabalhadeiras em bordados e rendas de bilros, encorajando-as a organizarem e porem em prática as suas criatividades artesanais.

Há lindos panos de linho bordados para todo gosto, diferenciados em forma, cor e tamanho, nas portas e salas das casas que servem de mostruário e ateliê, onde se encontram mulher e menino a conversarem, animadamente a bordarem, venderem e viverem; pressupõe-se que há atividade artesanal que movimenta a economia local, ajuda na renda familiar. Tem-se a certeza de que ali há um embrião de mão de obra organizada, rentável, embora ainda restrita ao terreiro de casa, por falta de apoio governamental.

O convite do rio, ainda nos leva até a margem, onde se veem turistas em trânsito em transporte fluvial, indo e vindo do povoado de Canindé, situado no Estado de Sergipe, em busca de artesanato, lazer e da gastronomia. No final da tarde de atmosfera quente, nuvens escuras ameaçam desabar e ouvem-se os avisos dos garçons: “Apressem! Se chover, o carro não sobe!” Mas as palavras do barqueiro Silva, também não tranquilizam, mas compõem a história do pescador: “se chover, os peixes pulam na flor d’água para beberem os pingos da chuva; é tanto peixe, que a gente pega “eles” nos braços e joga na canoa”.

O Rio São Francisco, na região do sertão, favorece a movimentação de pessoal no artesanato local aliado ao turismo que alimenta os pequenos negócios e o interesse econômico da subsistência. Hoje, o sertanejo embrenha-se não somente na caatinga, não veste tão somente o gibão de couro e derruba o boi com as mãos, nem somente pesca no rio, ou caça nas margens e ainda, não se cansou de esperar que chovesse no sertão, mas também envereda por outros caminhos, diversificando o seu sustento. Sem alterar a sua natureza, esforça-se para ressurgir do milenar destroço da seca. Cabe a quem de direito ajudá-lo.