Enio Lins
A Natureza está cobrando sua conta à economia e à política
Com o recrudescimento nas chuvas sobre o Rio Grande do Sul, a tragédia gaúcha se amplia e dificulta a formulação de planos emergenciais. A realidade, lá, ainda está sob água e lama. Além da solidariedade, esta catástrofe cobra análises desapaixonadas, objetivas e científicas sobre as mudanças climáticas, o uso do solo e políticas protetoras eficientes, alinhadas com o meio-ambiente.
FALSIDADES E VERDADES
Além das águas em turbilhão, o quadro gaúcho está sob uma enchente de notícias falsas sistemática e intensamente plantadas. Isso sem falar nos erros involuntários na coleta de informações, nos equívocos de compreensão e nas conflitantes concepções que vêm à tona em grandes tragédias como a que submerge o Rio Grande do Sul. Cabeça fria e objetividade são indispensáveis neste momento para distinguir as falsidades criminosas das opiniões bem-intencionadas, mesmo que incorretas.
NATUREZA DEVASTADA
Antes das chuvas, é fato que a Natureza em toda região tem sido devastada sob a justificativa do máximo uso econômico da terra. Imagens de satélite, hoje amplamente disponíveis, mostram a gritante contradição na fronteira, com o lado argentino exibindo vastos perímetros conservados e sem inundações visíveis; no nosso lado, agora em parte submerso, vê-se uma imensidão de devastação, com praticamente toda vegetação natural eliminada para a prática intensiva e exaustiva da agricultura ou pecuária. Dá dinheiro no lado brasileiro? Sim, e muito! Mas a conta nos chega, mais cedo ou mais tarde. Sobre uma panorâmica desses dois lados da fronteira, recomenda-se uma vista ao Instagram do botânico e paisagista Ricardo Cardim (@ricardo_cardim).
SOLUÇÕES FÁCEIS E FALSAS
Pura tolice é imaginar ser possível cancelar as áreas de uso intensivo, despachar o agronegócio para a Sibéria, reflorestar a totalidade dos perímetros devastados. A produção em escala é irreversível e indispensável: só no Brasil temos 220,3 milhões de bocas para alimentar, e muitas dessas não têm o que comer todos os dias – o desafio, gigantesco e inadiável, é estabelecer limites, definir áreas estratégicas a serem recuperadas ambientalmente dentro de um cronograma preciso e cobrar dos gestores públicos e privados atenção, sob o rigor de uma legislação apropriada, às medidas protetivas inadiáveis. Pois é, não é fácil mesmo. Mas trata-se de uma questão de vida ou morte, exigindo iniciativas urgentes-urgentíssimas cujas respostas só virão no médio e longo prazo. Não existe mais tempo a perder, e novos invernos virão.
LÁ E CÁ, OS MESMOS CRIMES AMBIENTAIS
Tendo castigado por ora o Rio Grande do Sul, esse flagelo dos desastres naturais turbinados pelas agressões humanas ao meio-ambiente não é malefício exclusivo gaúcho. Alagoas muito já sofreu e sofre desse mesmo mal, com enchentes periodicamente agravadas pelo descaso ambiental que praticamente eliminou as matas ciliares e pela desregrada ocupação urbana e rural em todo nosso território. Os antigos intervalos de 10/12 anos entre as grandes cheias descidas pelos vales do Paraíba do Meio e do Mundaú, na Região da Mata, e pelo sertanejo e plano Ipanema, têm tido esses prazos encolhidos. Exemplos? A Lagoa Manguaba sofreu duas grandes cheias com apenas cinco anos entre uma e outra (2017 e 2022); a orla de Maceió tem cobrado os espaços tomados pela urbanização imprevidente (especialmente nas praias de Jatiúca e Pontal).
Enfim: não é fácil, nem simples, nem barato, mas é melhor as forças econômicas e políticas investirem o quanto antes em um pacto com a Natureza.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.