Enio Lins

Cometendo crimes a jato, para combater uns crimes?

Enio Lins 19 de abril de 2024

“Joe Cometa” é um personagem bronco criado pelo quadrinista americano Al Capp, e uma das historietas mais famosas desse anti-herói bizarro é “O caso dos feijões envenenados”. Naquela HQ, Fearless Fosdick (nome original em inglês) combate um terrorista que colocou uma lata de feijões envenenados no meio de milhares de embalagens em boa qualidade. Para impedir que alguém venha a morrer comendo dessa latinha contaminada, Joe Cometa sai matando qualquer vivente que esteja prestes a colocar um caroço de feijão na boca (!). Ele cria um grupo “de salvação” e, em equipe, matam às tuias para evitar que alguma pessoa possa morrer envenenada.

PARADOXO COMO LIÇÃO

Al Capp é o pseudônimo de Alfred Gerald Chaplin (1909/1979), um dos quadrinistas mais importantes nos Estados Unidos e no mundo, famoso pela criação da “Família Buscapé” e pelas críticas que fazia ao modelo americano de vida através das vidas simplórias de seus personagens caipiras. A estupidez universal do crime combatendo o crime é o foco em “The case of the Poisoned Beans”, pela via de uma tragicomédia brutal, fictícia. No Brasil, a atuação da Lava-Jato repete, na realidade, a estupidez de um “Joe Cometa” como tragédia cruenta – e sem comédia nenhuma.

ROUBAR PARA COMBATER ROUBO?

Taí um fato digno de Joe Cometa: o Brasil teria perdido mais dinheiro pelo “combate à corrupção” tocado pela Lava-Jato do que com a corrupção em si nos casos investigados. Mais empresas foram mortas pela apuração lavajatista do que pelos atos corruptos praticados por seus gestores. Apesar serem mais notórias as falcatruas dessa turminha no cometimento da escandalosa óbvia ululante manipulação política/eleitoral, não podem nem devem ser esquecidas as marmotas lavajateiras envolvendo grana viva, nem as manobras para detonar a Petrobrás.

PASSANDO O PANO?

Sem vacilar em aplaudir a corajosa e corretíssima atuação recente do Supremo Tribunal Federal, se faz indispensável manter a vigilância cidadã em relação a problemas graves no Judiciário. Gravíssimo defeito é o espírito de corpo, sendo a condescendência entre colegas de toga um dos males mais antigos. E o caso, em andamento no Conselho Nacional de Justiça, onde são apuradas as más-condutas de luminares lavajatistas, precisa resultar em veredictos acima de quaisquer suspeitas. Ali estão apontadas ilegalidades da monta de bilhões de reais que teriam sido cometidas pelos ex-heróis e ex-heroínas da pátria das famílias Buscapé.

CONTABILIDADE RESUMIDA

Resumo da opereta, feita pelo site Diário do Centro do Mundo: “O relatório da investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre irregularidades na Lava Jato afirma que o ex-juiz Sergio Moro (atualmente senador pelo União Brasil do Paraná), a juíza federal Gabriela Hardt e o ex-procurador Deltan Dallagnol se uniram para ‘promover o desvio’ de R$ 2,5 bilhões do Estado. O órgão diz que o objetivo era criar ‘uma fundação voltada ao atendimento a interesses privados’”. E diz mais: “a investigação aponta que o trio teve ajuda de gerentes da Petrobras e servidores públicos americanos para ficar com o dinheiro de uma multa aplicada contra a estatal nos Estados Unidos”. Ressalte-se que essa investigação em curso não trata ainda de questões como as motivações reais para promover a quebra de grandes empresas nacionais como o Grupo Odebrecht – posto o combate à corrupção não visar corromper a atividade econômica dos empreendimentos investigados, apesar de Joe Cometa discordar disso.