Enio Lins

Lugar de índio é em todo lugar, inclusive na Academia

Enio Lins 06 de abril de 2024

Ailton Alves Lacerda Krenak é a primeira pessoa genuinamente originária – índio, como se diz também – a ocupar uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Isto é fato de enorme importância, posto das três principais bases étnicas brasileiras (nativa, europeia, africana), são as populações indígenas as mais excluídas, as mais oprimidas, as mais sacrificadas neste processo de formação, de meio milênio, do Brasil.

PRETA PRESENÇA

Fundada por Machado de Assis, um afrodescendente (jamais assumido como tal), a Academia Brasileira de Letras sempre representou a elite branca e nem sempre “imortalizou” gente com produção meritória. Mas o matiz preto mantém sua discreta presença, sendo o escritor carioca Domício Proença Filho considerado o segundo presidente negro da ABL (em 2015), depois do fundador.

ÍNDIA PRESENÇA

Poderia ser diferente a ABL? Na sociedade brasileira a participação indígena é esmagadoramente minoritária, refletindo a acintosa exclusão sofrida pelas populações originárias, que seguem violentadas hoje como têm sido desde o início da colonização. 524 anos depois do achamento, povos nativos ainda são vítimas fatais, como se vê nas áreas do garimpo ilegal na Amazônia.

COTAS E COTAS

Para quem critica o instrumento das cotas raciais, deve ser apresentado o currículo literário de Ailton Krenak. E mais: a cota não contradiz o mérito, apenas reduz o poder acachapante dos vícios históricos que marginalizam etnias como as afrodescendentes e originárias. Ao ser eleito para a ABL, por mérito, o índio Krenak, escritor e militante, anima – e muito – a causa antidiscriminatória.

LUTA QUE SEGUE

Vitórias como a de Krenak reforçam a luta – geral, ampla e ininterrupta – contra todos os tipos de discriminação e contra a marginalização socioeconômica. E mais: para além do mérito individual, a cota representa uma imprescindível porta de acesso que deve ser mantida aberta em todas as áreas. A visão multicolorida de qualquer instituição é coisa que precisa ser exigida com redobrada força.

ACADÊMICO DE LUTA

E quem é Ailton Krenak? Nascido em Minas Gerais, no ano de 1953, leva o nome de sua etnia – Crenaque – no sobrenome. Alfabetizou-se aos 17 anos, no Paraná, onde trabalhou como produtor gráfico e exerceu o jornalismo. Em 1985 criou o Núcleo de Cultura Indígena, e entre 1986 e 1988, contribuiu – como militante voluntário – com propostas para a confecção da nova Constituição Federal. A Wikipédia disponibiliza um eficiente currículo dele, destacando entre seus títulos: Professor Honoris Causa da UFMG, em 2016; Prêmio Juca Pato, como Intelectual do Ano de 2020; Doutor Honoris Causa da UNB, em 2021; Prêmio Prince Claus, em 2022. E a mesma enciclopédia virtual lista suas publicações: “O lugar onde a terra descansa”, 2000; “Ailton Krenak (Encontros)”, organização de Sergio Cohn, Editora Azougue, 2015; “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, Editora Companhia das Letras, 2019; “O Amanhã Não está à Venda”, Editora Companhia das Letras, 2020; “A Vida Não é Útil”, Editora Companhia das Letras, 2020; “Firmando o pé no território”, 2020; “Lugares de Origem”, com Yussef Campos, Editora Jandaíra, 2021; “O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo”, 2021; “Futuro Ancestral”, Editora Companhia das Letras, 2022.

Parabéns ao Brasil pela eleição, e posse, na Academia Brasileira de Letras, da primeira pessoa das etnias originárias. Vida longa para o agora imortal Ailton Krenak – e vamos adiante, para novos avanços!