Enio Lins
Lições de 21 anos sob uma ditadura militar de direita
Mais importante em todo esse processo de revisita à cena do crime cometido há 60 anos é ter a consciência, sem ódio e sem medo (slogan de Marcos Freire, em Pernambuco, nos anos 80), de que não estamos falando apenas no passado, mas lutando – no presente – contra concepções e práticas que permanecem vivas e perigosas, nos meios castrenses e entre civis subservientes. O espírito golpista, assassino, corrupto, que baixou em 1º de abril de 1964 não se elevou nem se dissipou nessas seis décadas – sofreu revezes e derrotas, mas vive tentando baixar novamente no terreiro. Esse ectoplasma do mal se manifesta com mais força desde 2018, e é algo tão ruim que, entre 1964 e 1985, assustou até a alguns dos ditadores de plantão.
LUTAS INTESTINAS
Exclusivistas, os militares golpistas não deixaram espaço livre (no comando) para seus cúmplices civis naqueles 21 anos de ditatura. E lutaram entre si com ferocidade, pois as Forças Armadas não são, nunca foram, um corpo uno, entidade que possa ser tratada no singular. Como toda organização humana, o estamento fardado é plural, dividido em grupos contraditórios, em disputa interna permanente. Em 64 ganhou uma aliança entre várias facções castrenses distintas que tinham como liga o interesse pelo golpe antidemocrático e pelo subjugamento das forças civis, inclusive de seus aliados. No seio dessa aliança fardada, gangues extremistas guerreavam pelo poder absoluto, motivadas pelo puro fascismo e/ou pelo reles banditismo – e assim que tomou o poder, essa banda podre puniu mais de 6.300 militares (sadios) que se opuseram ao golpe.
ALIANÇAS PELA DEMOCRACIA
Cabe aos segmentos democráticos investirem em alianças com os segmentos profissionais das Forças Armadas, pois esse é o único antídoto contra o golpismo militar. Seguem fortes as mesmas teses supremacistas que animaram a indisciplina e a quebra da hierarquia contra João Goulart em 1964, e que fortaleceram a banda podre fardada para o golpe de 1º de abril e na manutenção da ditadura militar durante duas décadas. Nesse entendimento, está certíssimo o presidente da República, Lula da Silva, em desautorizar manifestações oficiais, governamentais, sobre o golpe militar de 64. Esses posicionamentos cabem às forças políticas – sejam à esquerda, à direita, ao centro – e a historiografia, evidentemente.
LUTA QUE SEGUE
Denunciar o golpismo e o banditismo militar e civil é missão cotidiana para quem queira defender o avanço da sociedade. O marco de 60 anos do 1º de abril de 1964 é tão-somente um momento de dar mais destaque a essa luta permanente pelas liberdades democráticas. Aspectos fundamentais nesse processo autoritário de 21 anos seguem exigindo mais estudos, como no caso da ligação entre a extrema-direita militar e o crime organizado, origem de fenômenos como as milícias contemporâneas (cenário onde se inclui o tráfico moderno de drogas e de armamentos). Ao investigar os porões da ditatura, é indispensável ir além das pesquisas sobre as violências cometidas contra as forças de oposição. Às crueldades da turma do finado Coronel Ustra precisa ser somada a atuação da turma do Capitão Guimarães (ainda vivo e atuante no submundo).
PERIGO PERMANENTE
Não é apenas memória o horror de 64. Essas forças do mal, entre 2018 e 2022, reocuparam a presidência da República – pelo voto, por decisões judiciais viciadas, e por uma facada providencial. E estão ávidas por uma nova ditadura, talkey?
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.