Enio Lins
Marielle e a primeira grande derrota dos milicianos
Enfim, o caso Marielle avançou. Desde seu cometimento, na noite de 14 de março de 2018, o duplo assassinato da vereadora carioca e do motorista Anderson Gomes teve seu inquérito acintosamente obstaculizado ao longo de quatro anos e nove meses, só deslanchando a partir de janeiro de 2023.
Finalmente identificados, os nomes de três dos mandantes comprovam a intimidade, a promiscuidade, entre milícias, política e polícia – num bacanal das delinquências, de onde se lobriga a participação, direta ou indireta, de mais gente importante e, até agora, fora dos autos.
EFEITOS MARIELLE
Ao ser assassinada, Marielle Franco era uma liderança carioca desconhecida no resto do País, assim como a quase totalidade dos parlamentares de qualquer estado ou município fora de seu território. Militante de esquerda, vereadora no primeiro mandato, eleita em 2016, aos 36 anos, com a quinta maior votação no Rio. Num susto, o covarde assassinato que a vitimou internacionalizou seu nome.
Ao contrário do que sucede a um susto, a atenção ao assassinato da vereadora não se desvaneceu. A memória desse duplo homicídio manteve-se agitada por conta de dois fatores: a incansável cobrança por apuração feita por grupos de direitos humanos, e a persistente comemoração da morte de Marielle pelos bolsonaristas.
MATOU POR QUÊ, PARA QUE?
Já abundavam informações públicas e notórias sobre as motivações, algumas agora descritas no inquérito. Uma dessas diz que a vereadora denunciava atividades das milícias cariocas, especialmente em áreas onde esse tipo de quadrilha (unindo policiais, políticos e a bandidagem “comum”) se dedicava à especulação imobiliária.
Mas para que matar uma vereadora que se opunha a isso? Ela seria tão influente a ponto de impedir essas falcatruas que existiam antes dela e seguem existindo depois dela? Não, não era. Matar Marielle parece ser, isto sim, uma mensagem de sangue do avassalador poder miliciano – em afirmação que “agora”, “a partir dali”, “podiam tudo”.
MOMENTO APROPRIADO
Qual a novidade, no Rio, quando a vereadora foi trucidada? Apenas a intervenção militar. Ela foi morta no 20º dia do controle absoluto do Exército sobre a segurança pública carioca, e no dia seguinte à nomeação, pelo general Braga Neto, do delegado Rivaldo Barbosa como Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil.
Acharam que era risco zero. Esse duplo homicídio político não pode ser analisado desconsiderando essa questão óbvia, ululante. Quem mandou matar, e quem matou, confiava na intervenção militar em vigor. No posto, Rivaldo Barbosa teria orientado os assassinos antes e dificultado as investigações depois.
IR ADIANTE
É um enorme avanço a identificação de mandantes diretos do duplo assassinato político que eliminou do cenário Marielle Franco e Anderson Gomes.
É uma grande vitória saber que o recado dado de que “agora podemos tudo”, está sendo respondido à altura, e que a luta continua.
É alvissareiro constatar que, mesmo sob o período das trevas entre 2018 e 2022, existiram policiais e demais agentes públicos com coragem para prosseguir numa investigação sob as condições mais adversas.
É agora prosseguir nessa toada, pois o crime organizado, tendo as milícias como vanguarda, segue forte e com defensores poderosos – mesmo com alguns de seus mitos em inelegibilidade.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.