Enio Lins

Brasil, 1964, idos de março: vão-se o mês e a Democracia

Enio Lins 26 de março de 2024

Ontem, 25, completaram-se 60 anos de um dos episódios que marcaram o mês de março de 1964 como o fim da linha para a Democracia que tentava se consolidar no Brasil desde 1945. Nove anos antes, em 1954, uma intentona foi adiada por conta do suicídio de Getúlio Vargas, então presidente da República (democraticamente eleito em 1950), após ser comunicado de sua deposição pelos militares.

Ao longo de dez anos, o golpe – frustrado pelo gesto de Vargas – intentou-se várias vezes, como em duas ocasiões em 1955: na manobra para impedir a posse de JK, e na revolta militar de Aragarças; na revolta militar de Jacareacanga, em 1959; no veto à posse de João Goulart, em 1961; na insubordinação do general Mourão em 31 de março de 1964... cada uma dessas ações não obteve êxito, mas acumulou forças – até 1º de abril de 1964.

MARÇO EM CHAMAS

Nos idos (meio do mês, dia 15) de março de 44 a.C., César foi assassinado, pelos punhais de senadores romanos, num único ato. 2008 anos depois, em março de 1964, a Democracia brasileira foi vítima de sucessivas punhaladas, mas – ferida – resistiu o mês inteiro esfaqueada, lutando. Sangrou em pé.

Nos idos de março de1964, a ebulição começou com duas antagônicas iniciativas de massas: dia 13, comício da Central do Brasil, quando Jango anunciou as Reformas de Base (mais avançada proposta de mudanças econômicas e sociais para o capitalismo brasileiro – até hoje); dia 19, as forças conservadoras, em pânico, responderam com passeatas em várias cidades do país, as “Marchas com Deus e a Família”.

MILITARES EM LUTA

Desde o golpe fracassado em 1954, os militares se dividiam entre legalistas e golpistas – e esses últimos disputavam o protagonismo com os rebeldes civis e lutavam entre si pelo comando supremo do motim (e ocupação da presidência da República). Muitos fardados alternavam de posição, por convencimento ou por oportunismo.

Na caserna, um novo fator de crise assomou com força naquele março de 1964: o crescimento da organização e do volume da voz dos subalternos – praças, cabos, sargentos –, buscando posições de fala, numa iniciativa temida pelos oficiais como um risco à autoridade e à hierarquia.

MARINHEIROS E SOLDADOS

25 de março de 1964, em coincidência com o 42º aniversário do Partido Comunista (dividido em dois desde 1962: PCB e PCdoB), marinheiros comparecem a uma reunião no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, desobedecendo determinação do Ministro da Marinha, Almirante Sílvio Mota. A força militar enviada para deter os desobedientes descumpre a ordem de prisão. O ministro pede demissão do cargo.

Em seguida, os revoltosos são anistiados pelo presidente João Goulart, seguindo a linha pacificadora do presidente JK. A diferença é que os militares, contra Juscelino, fizeram duas tentativas de golpe de Estado – aquela anistia foi aplaudida pelos quartéis; os marinheiros sob Jango reivindicavam apenas melhores condições de vida militar e direitos políticos – essa anistia foi tida como um insulto pelos oficiais.

DERRAPADA NO AUTOMÓVEL CLUBE?

30 de março de 1964: derradeiro discurso de João Goulart como presidente, falando como convidado de honra em ato organizado pelos sargentos das forças armadas, no Automóvel Clube. Os oficiais golpistas se “esqueceram” que o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas, e alvoroçaram o mundo castrense com a temível tese da “quebra da hierarquia”. Aceleram o golpe.

Foram as gotas d’aguas de março, como cantaria Tom Jobim: “É pau, é pedra, é o fim do caminho/É um resto de toco, é um pouco sozinho/É um caco de vidro, é a vida, é o Sol/É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol”.