Enio Lins

Golpe mole em democracia fofura, tanto bate até que fura

Enio Lins 15 de março de 2024

Um dos fatos históricos mais importantes para o Brasil está em andamento desde a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023: a apuração da intentona bolsonarista é um acontecimento sem precedentes num país marcado por golpismos e quarteladas rigorosamente impunes – desde que tentados pelas elites, lógico.

Jair tentando um golpe de Estado foi considerado, até 8 de janeiro de 2023, como um empreendimento de risco zero para a direita brasileira. Isso até o assalto à Praça dos Três Poderes, feito pela turba bolsonarista sob a orientação de militares, por sua vez comandados remotamente pelo ex-capitão homiziado nos Estados Unidos.

INSTITUIÇÕES FORTALECIDAS

Insistindo, repetindo: Três questões foram decisivas para a derrota do golpe em 8 de janeiro: 1) a pronta reposta das instituições, com os três poderes agindo em sintonia e com firmeza; 2) a não adesão da maioria dos oficiais das forças armadas ao golpe; 3) a inexistência de apoio internacional, destacando-se nesse quesito o veto (antecipado) dos Estados Unidos à arapuca bolsonarista.

Passados os primeiros momentos de perplexidade das forças democráticas, vítimas da infiltração bolsonarista nas estruturas de segurança, foi fundamental para a derrota dessa banda podre a recuperação do controle dos acontecimentos pela ala sadia das polícias e dos militares das três armas, sendo as prisões realizadas no calor dos acontecimentos um marco de grande valor.

TRADIÇÃO GOLPISTA

Golpe é vício militar brasileiro. Os civis apreciam também essa droga, mas a ela têm menos acesso. A única exceção de controle civil numa virada de mesa ocorre em 1930, sob o comando inegável de paisanos, com Getúlio Vargas à frente, unindo de gaúchos a paraibanos, mas contando com eficiente retaguarda militar (comandada pelo coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, alagoano da gema).

Impunidade para golpistas é deformação crônica no Brasil, à exceção do período florianista (já lembrado aqui) quando o Marechal de Ferro aplicou ao pé da letra a Constituição e os manuais marciais vigentes para o enfrentamento da Rebelião Federalista e da Segunda Revolta da Armada, além de responder ao “Manifesto dos 13 Generais” com 13 punições. Sem mimimi.

DEMOCRACIA FOFINHA

Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi, certamente, o presidente da República brasileira que mais sofreu tentativas de golpes. Logo de entrada, quiseram anular sua vitória nas urnas, em 1955 – foi preciso o contragolpe liderado pelo General Lott para garantir sua posse em janeiro de 1956; durante seu mandato (um dos melhores na história do Brasil) enfrentou duas tentativas militares de deposição (Jacareacanga, 1956, e Aragarças, 1959). Anistiou todo mundo, como já escrito aqui.

Com o golpe de 1º de abril de 1964, Juscelino Kubitscheck – grande favorito para a eleição presidencial que deveria se realizar em 1965 – foi um dos primeiros cassados pelos militares que anistiou. E sua morte, em 1976, na Via Dutra, segue polêmica, com versões de assassinato político (no rol dos muitos homicídios praticados pelos militares latino-americanos na Operação Condor). Acidente ou incidente, o fato é que JK morreu com os direitos políticos roubados e perseguido pelo estamento fardado que ele mesmo havia beneficiado com generosas anistias.

NOVIDADE ALVISSAREIRA

Versejou Jorge de Lima, em “Mundo do Menino Impossível”: “Entre as estrelas e lá detrás da igreja/ surge a lua cheia/ para chorar com os poetas. / E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:/ o sol e os meninos”.

Muito bem, hoje, detrás do 8 de janeiro de 2023, não pode dormir a única coisa nova nesse mundo (brasileiro): a aplicação da Lei para golpistas.