Enio Lins
Golpe mole em democracia fofura, tanto bate até que fura
Um dos fatos históricos mais importantes para o Brasil está em andamento desde a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023: a apuração da intentona bolsonarista é um acontecimento sem precedentes num país marcado por golpismos e quarteladas rigorosamente impunes – desde que tentados pelas elites, lógico.
Jair tentando um golpe de Estado foi considerado, até 8 de janeiro de 2023, como um empreendimento de risco zero para a direita brasileira. Isso até o assalto à Praça dos Três Poderes, feito pela turba bolsonarista sob a orientação de militares, por sua vez comandados remotamente pelo ex-capitão homiziado nos Estados Unidos.
INSTITUIÇÕES FORTALECIDAS
Insistindo, repetindo: Três questões foram decisivas para a derrota do golpe em 8 de janeiro: 1) a pronta reposta das instituições, com os três poderes agindo em sintonia e com firmeza; 2) a não adesão da maioria dos oficiais das forças armadas ao golpe; 3) a inexistência de apoio internacional, destacando-se nesse quesito o veto (antecipado) dos Estados Unidos à arapuca bolsonarista.
Passados os primeiros momentos de perplexidade das forças democráticas, vítimas da infiltração bolsonarista nas estruturas de segurança, foi fundamental para a derrota dessa banda podre a recuperação do controle dos acontecimentos pela ala sadia das polícias e dos militares das três armas, sendo as prisões realizadas no calor dos acontecimentos um marco de grande valor.
TRADIÇÃO GOLPISTA
Golpe é vício militar brasileiro. Os civis apreciam também essa droga, mas a ela têm menos acesso. A única exceção de controle civil numa virada de mesa ocorre em 1930, sob o comando inegável de paisanos, com Getúlio Vargas à frente, unindo de gaúchos a paraibanos, mas contando com eficiente retaguarda militar (comandada pelo coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, alagoano da gema).
Impunidade para golpistas é deformação crônica no Brasil, à exceção do período florianista (já lembrado aqui) quando o Marechal de Ferro aplicou ao pé da letra a Constituição e os manuais marciais vigentes para o enfrentamento da Rebelião Federalista e da Segunda Revolta da Armada, além de responder ao “Manifesto dos 13 Generais” com 13 punições. Sem mimimi.
DEMOCRACIA FOFINHA
Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi, certamente, o presidente da República brasileira que mais sofreu tentativas de golpes. Logo de entrada, quiseram anular sua vitória nas urnas, em 1955 – foi preciso o contragolpe liderado pelo General Lott para garantir sua posse em janeiro de 1956; durante seu mandato (um dos melhores na história do Brasil) enfrentou duas tentativas militares de deposição (Jacareacanga, 1956, e Aragarças, 1959). Anistiou todo mundo, como já escrito aqui.
Com o golpe de 1º de abril de 1964, Juscelino Kubitscheck – grande favorito para a eleição presidencial que deveria se realizar em 1965 – foi um dos primeiros cassados pelos militares que anistiou. E sua morte, em 1976, na Via Dutra, segue polêmica, com versões de assassinato político (no rol dos muitos homicídios praticados pelos militares latino-americanos na Operação Condor). Acidente ou incidente, o fato é que JK morreu com os direitos políticos roubados e perseguido pelo estamento fardado que ele mesmo havia beneficiado com generosas anistias.
NOVIDADE ALVISSAREIRA
Versejou Jorge de Lima, em “Mundo do Menino Impossível”: “Entre as estrelas e lá detrás da igreja/ surge a lua cheia/ para chorar com os poetas. / E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:/ o sol e os meninos”.
Muito bem, hoje, detrás do 8 de janeiro de 2023, não pode dormir a única coisa nova nesse mundo (brasileiro): a aplicação da Lei para golpistas.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.