Enio Lins
Povo na rua é importante, mas articulação política é mais
Há sessenta anos, em 13 de março de 1964, a Democracia deu uma demonstração de força popular, por reformas sociais, e contra um golpe cujo andamento havia se acelerado muito. O Comício da Central do Brasil entrou para a História como a maior manifestação popular brasileira até então – mas não conseguiu deter a onda golpista.
Era uma sexta-feira, e a população compareceu em massa, lotando todos os espaços em torno da Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Botou no bolso os arreganhos golpistas da “Marcha da Família com Deus [e o Diabo] pela Liberdade”. Mas, apesar do sucesso esmagador do ato democrático de 13 de março, o golpe militar seria vitorioso apenas 19 dias depois, em 1º de abril de 1964.
GOLPE EM FOGO LENTO
Em verdade, o golpe foi disparado em 22 de agosto de 1954, mas o tiro saiu pela culatra por conta da bala que Getúlio Vargas meteu no próprio peito, um dia depois de receber o “Manifesto dos Generais” exigindo sua renúncia. O inesperado suicídio do presidente e a gigantesca reação de revolta popular a esse fato detonaram a articulação golpista.
Depois dessa tragédia, o longo de dez anos, até 1º de abril de 1964, ocorreram, pelo menos, mais quatro tentativas (frustradas) de golpe: dezembro de 1955, para anular a eleição de Juscelino Kubitschek – que só assumiu a presidência da República graças a um contragolpe militar em janeiro de 1956; fevereiro de1956, revolta militar em Jacareacanga; dezembro de 1959, intentona militar em Aragarças (ambas para derrubar JK). Em agosto de 1961, a tentativa de golpe foi para impedir a posse de João Goulart.
POLÍTICA ANTIGOLPE
Naquele tumultuado decênio, 1954/1964, as forças democráticas – com acertos e erros – resistiram, teceram alianças, ao tempo em que avançavam por mudanças sociais. Porém, trabalhavam em condições muito adversas por conta dos fatores internacionais, pois a “Guerra Fria” dividia o mundo entre duas Superpotências (EUA e URSS) que não vacilavam em patrocinar ações militares em benefício de seu próprio bloco.
Para o golpe se viabilizar no Brasil, foi necessária a adesão explícita dos Estados Unidos, que montaram a operação “Brother Sam”, deslocando forças de sua marinha de guerra para o litoral brasileiro com o objetivo de frustrar tentativas de resistência depois da quartelada de abril. Ao ganharem a parada contra a Democracia, os golpistas militares deram, imediatamente, uma rasteira em seus parceiros civis e os colocaram em posições subalternas (mas comentaremos isso noutro dia).
LIÇÕES DA VIDA
Lição maior desse processo, entre 1954 e1985, é a necessidade incontornável das forças democráticas manterem uma aliança básica, ativa, no formato “frente ampla”. Pode até não ser “frente única”, considerando as imensas diferenças ideológicas nesse campo, mas as forças antigolpe precisam ser capazes de, no mínimo, distinguir a principal força inimiga, golpista, e mantê-la sob pressão política e eleitoral.
Essa conversa é longa e voltaremos a ela. Mas, hoje, quando se comemora os 60 anos do gigantesco comício “pelas reformas de base”, é momento de lembrar que não basta colocar povo na rua (até porque os golpistas fazem isso cada dia com mais força). É necessário mais, bem mais política.
Para tratar com sucesso essa doença endêmica – o golpismo brasileiro – o primeiro desafio é não olhar apenas para o próprio umbigo. Indispensável é sair da bolha ideológica e saber construir alianças sólidas entre seres de identidades díspares, mas que se unam em torno de metas concretas. Um exemplo de meta estratégica? – Evitar que a extrema-direita siga crescendo em todos os níveis parlamentares (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional). Isso já é um bom começo.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.