Enio Lins

Uma luta desigual, a esperança holandesa e outras luzes no fundo da dolina

Enio Lins 05 de março de 2024

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

Gonçalves Dias, Canção do Tamoio

Matéria publicada na Tribuna Independente, 27 de fevereiro, informava que as vítimas da Braskem em Maceió podem se cadastrar, até 30 de março, para novo processo na Holanda em defesa de seus direitos. A reportagem indica endereços para contato presencial (Av. Fernandes Lima, 3472, Gruta de Lourdes, Condomínio dos Galpões, Galpão C) e virtual (www.casoholandesmaceio.com.br
e ww.pogustgoodhead.com).

Sem dúvida, essa alternativa holandesa se apresenta como uma nova faísca de esperança nas batalhas por mais justiça no caso dos bairros em afundamento, pois depois do contrato assinado entre a Braskem e a prefeitura maceioense, a coisa aparentemente afundou em termos jurídicos locais, pois esse acerto retira legalmente da empresa quaisquer novas responsabilidades com o desastre, ainda em andamento, nos muitos bairros afetados.

LUTA RENHIDA

Muito importante, portanto, é essa fresta de luz holandesa. Vamos apostar que dê certo e que não se repita a sentença amorfa, inodora, insípida – e com a cor do medo aos poderosos de plantão – que foi a decisão do Tribunal Penal Internacional sobre o genocídio praticado por Israel contra os palestinos. Como se leu, naquela demanda humanitária, Tribunal de Haia gaguejou, afinou a voz. E, além de se acovardar e não propor um mero cessar-fogo, sussurrou ao governo israelense que “tomasse cuidado” para não ser acusado de genocida – que vergonha!...

Como a esperança é a última que é assassinada, ou “dolinada”, é justo apelar para todas as instâncias. Nessa toada, é correto destacar as ações neerlandesas da Stitching Environment and Fundamental Rights (SEFR) – fundação que promove a campanha por cadastramento das vítimas da Braskem em Maceió – e do escritório de advocacia internacional Pogust Goodhead. Segundo veiculado, não se cobra vintém por essa ação em andamento na Holanda, atitude excepcional que merece aplausos e destaque.

VIVER É LUTAR

Ações como essa, tramitando em Roterdã, devem ser entendidas como experiências internacionais de solidariedade e busca por fóruns globais para causas locais expressivas mundialmente – como nesse caso do afundamento dos bairros. Questões jurídicas internacionais não são simples, muito menos é fácil a aplicação de decisões tomadas por cortes localizadas noutros países que não aqueles onde o problema tenha acontecido. Mas esses veredictos têm o condão de, no mínimo, denunciar injustiças, fragilizando quem está errado e fortalecendo quem esteja certo.

Enquanto isso, é indispensável se manter a mobilização e luta no que os militares chamam de “teatro de operações” (área onde ocorrem os combates). Nesse cenário de refregas, são essenciais pelo menos quatro atitudes: 1) manter e reforçar a demanda pelo cancelamento do acordo Braskem/Prefeitura de Maceió; 2) cobrar o cumprimento das iniciativas legislativas do vereador Léo Dias e do deputado Alexandre Ayres que, cada qual em sua área de atuação, impedem o uso comercial das áreas adquiridas pela Braskem; 3) exercer pressão democrática sobre os trabalhos da CPI da Braskem no Congresso Nacional, considerado a influência e força desproporcionais da empresa envolvida; 4) garantir o cancelamento das licenças ambientais para exploração de sal-gema em quaisquer áreas de Alagoas.

LEMBREM-SE DO TAMOIO DA CANÇÃO

Vamos berrar, como versejou Gonçalves Dias, desenhando um povo Tamoio ideal, exemplar em sua resistência contra inimigos muito mais poderosos:

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão