Enio Lins
Pelo amor dos deuses, quanta ignorância histórica e religiosa
Cenas colhidas na Avenida Paulista, no domingo, 25: Cena1) Uma senhora com duas bandeiras nos ombros é abordada por repórter que pergunta o porquê de um desses estandartes nacionais ser o de Israel. Cena 2) A senhorinha enrolada com as bandeiras israelense e brasileira responde na lata, firme e forte: “Porque somos cristãos, assim como Israel”. Cena 3) Repórter: “A senhora sabe que Israel não é um país cristão?”. Cena 4) A senhorinha se enrola toda.
CONFUSÕES TEOLÓGICAS
Uma primeira questão a ser esclarecida é que judaísmo e cristianismo são religiões distintas, e antagônicas em termos teístas, apesar do cristianismo tentar colar textos da Torá judaica, (o “Velho Testamento”), com os escritos de quatro evangelistas cristãos (o “Novo Testamento”), batizando essa sequência inconciliável como “Bíblia”.
No judaísmo, a divindade máxima é o deus nacional dos judeus, exclusivo do “povo escolhido” e implacável contra quaisquer divindades dos goyim (plural de gói – aquele não é judeu). No cristianismo, é uma tríade a divindade máxima (deus pai, deus filho e o espírito santo); e no catolicismo a essa “Santíssima Trindade” é acrescida (sem o status oficial de “deusa”) a ancestral concepção da deusa-mãe, reencarnada em Maria, “Nossa Senhora Mãe de Deus”.
CONFLITOS HISTÓRICOS
Apesar dos primeiros confrontos terem sido iniciativa do judaísmo, combatendo ferozmente a tendência religiosa criada por Jesus no seio do povo judeu, a partir do momento em que o cristianismo se tornou religião oficial do Império Romano, no ano 380, essa pressão se inverteu, com cristãos confrontando judeus com crescente intolerância, cujo ápice (antes da modernidade) ocorre na Idade Média, com a “santa inquisição” abusando da perseguição e da fogueira contra “judaizantes”.
Desde que foram dispersas pelos quatro cantos do mundo romano, na Diáspora, a partir do ano 70, as comunidades judaicas procuraram manter sua identidade, e a religião foi o grande elemento para sua preservação como povo uno, mas sem território nacional. Essas comunidades hebraicas foram hostilizadas, perseguidas e vítimas de matanças promovidas pelas autoridades cristãs vinculadas ao catolicismo romano, ou ao cristianismo ortodoxo, ou mesmo ao protestantismo. Sem falar no nazismo.
GUERRAS E PAZ(ES)
Coube ao catolicismo, depois da II Grande Guerra, buscar uma pacificação com o judaísmo, com o Papa Paulo VI sendo o primeiro pontífice romano a procurar autoridades religiosas judaicas. Mas as muitas tendências evangélicas não perderam tempo e buscaram os gestores seculares judeus para ótimos negócios religiosos, como se não existissem profundos fossos entre essas crenças.
Séculos antes, o cristianismo inventou o termo “judiar” como sinônimo de torturar, maltratar. Apenas em 1959, foi eliminada (pelo Papa João XXIII) a expressão “pérfidos judeus” usada pela liturgia católica (especialmente na Semana Santa). Em 1965, com a declaração “Nostra Aetate”, a Santa Sé retirou a milenar a acusação de que o povo judeu seria responsável pela morte de Jesus.
NÚMEROS, AMÉM
Diz a revista Exame: “De acordo com dados do Departamento de Estado americano, no recorte por religião, a população israelense é 73,5% judia, 18,1% muçulmana, 1,9% cristã e 1,6% drusa. Os 5% restantes estão subdivididos em outras religiões minoritárias”. Por sua vez, a Wikipédia informa: “Em Israel, 82,7% professam o judaísmo; 10,1% rezam pelo islamismo; 3,7% não têm religião; 2,1% são cristãos; outras religiões contam com 1,4% da população”.
Em resumo: Israel não é território cristão, nunca foi. Ali, o cristianismo é absolutamente minoritário, inferior ao judaísmo em 35 ou 40 vezes, e apequenado cinco vezes frente ao islamismo, sendo metade – inclusive – da população que não tem religião alguma naquele perímetro dito “terra santa”. Mas quem tem como mito um falso messias ignorante e estúpido, tem a ignorância estúpida como profissão de fé.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.