Enio Lins
Valha-nos Deuses: por mais fé na saúde e na educação
Pelos números do Censo 2022, o Brasil conta com mais templos religiosos que a soma de escolas e hospitais. Segundo esses dados, estão em funcionamento 579,7 mil sedes de das mais variadas religiões, contra (apenas) 264,4 mil instituições de ensino e 247,5 mil unidades de saúde. Coisa danada.
Pelo Censo 2022 existem 286 empreendimentos religiosos para cada 100 mil habitantes; 130 estabelecimentos de ensino para cada 100 mil habitantes; 122 unidades de saúde para cada 100 mil habitantes. Na comparação caso a caso, o Brasil possui 2,2 templos para cada escola e 2,4 templos para cada unidade de saúde.
CAMPEÕES DAS FÉS
Diz O Globo: “A Região Norte é a que concentra a maior relação entre o número de estabelecimentos religiosos e o total da população. Há 79.650 igrejas nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, o que representa a média de 459 para cada 100 mil habitantes, quase o dobro do valor do Brasil como um todo”.
Naquela reportagem, o Nordeste fica na segunda posição: Bahia e Maranhão, 374 templos por 100 mil habitantes; Paraíba, 341/100 mil habitantes; Piauí, 309/100 mil habitantes; Sergipe, 294/100 mil habitantes; Ceará e Alagoas, 279/100 mil habitantes; Pernambuco, 275/100 mil habitantes; Rio Grande do Norte, 267/100 mil habitantes.
ILAÇÕES PECAMINOSAS?
Que pensar desse penar? Tamanha necessidade do sobrenatural nas duas mais pobre e sofridas regiões brasileiras – o que isso quer dizer? Onde esse índice é menor? “A região Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) é a que tem a menor relação entre o número de igrejas e a população, com 226 para cada 100 mil”, informa O Globo.
Talvez isso queira dizer que a desesperança é maior em quem tem menos recursos, buscando com mais força no céu o que não consegue na terra. Ou os estabelecimentos religiosos, pelas gigantescas vantagens tributárias, multiplicar-se-iam como melhores negócios em áreas onde as oportunidades de emprego são menores?
FÉ NO DESENVOLVIMENTO
Sem desrespeitar as crenças de ninguém, é no mínimo desconfortável saber que um país possui mais equipamentos religiosos que escolas e centros de saúde somados. Isso pode ser natural no Vaticano, país-sede de uma religião e que dispõe em torno de si, no país circundante, redes de saúde e educação à disposição – mas, no mais, é estranho.
Qualquer raciocínio lógico sugere que escolas e postos de saúde devam ter prioridade para atendimento de uma população, muito especialmente se for um povo com pouca formação escolar, desemprego preocupante e que uma defesa elementar na saúde pública, como a vacinação, é questionada.
FIAT LUX (ET SAPIENTIA)!
Que floresçam as igrejas, templos, terreiros, sinagogas, mesquitas, capelas, monastérios, pejis, pirâmides, pagodes – tudo mais que possa ser entendido como ponto de referência de uma religião. As inúmeras fés, crenças e crendices fazem parte da história, estão presentes em todos os cantos, e é direito assegurado (em sua diversidade) em qualquer nação que se queira civilizada. Tudo bem.
Mas não pode estar tudo bem num país que tem mais templos que a soma de escolas e postos de saúde, e – ao mesmo tempo – ostenta tremendo abismo social entre a pobreza aviltante de muitos milhões e a riqueza suntuosa de poucos milhares, exibe insultante analfabetismo, sofre com doenças crônicas desassistidas e padece de galopante negacionismo... Seria isso um pecaminoso círculo vicioso?
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.