Alisson Barreto

O STF, o direito e as correntes brotadas na democracia

Alisson Barreto 29 de janeiro de 2024
O STF, o direito e as correntes brotadas na democracia
O STF, o direito e as correntes brotadas na democracia - Foto: Alisson Barreto

O STF, o direito e as correntes brotadas na democracia


A, de modo sintético, tomar o doutrinador do direito como o jurista que escreve conteúdos jurídicos e desenvolve a doutrina jurídica e o aplicador do direito como o profissional que o põe em prática. A considerar o jurista como o jurisperito ou jurisconsulto dedicado ao estudo aprofundado do direito. E a olhar a prática do direito pelas mãos dos causídicos. Indagações sobre as práticas jurídicas ou judiciais podem eclodir.


Por exemplo: ao seu aplicador ou doutrinador, cabe a ciência do direito ou os livres pensamentos? Ao jurista cabe buscar a efetividade da lei ou a da justiça? O direito, o judiciário e a justiça confluem inseparavelmente ou são naturezas divorciáveis? Mesclam-se, separam-se, atraem-se ou repelem-se, são unidas ou isoladas, conformes ou antagônicas?


Ora, a ciência é casada com a objetividade das práticas metodológicas; enquanto os livres pensamentos eclodem não apenas no raciocínio objetivo como também em subjetividades de paixões capazes de moverem o intelecto do ser pensante. Enquanto o livre pensar levanta velas para os ventos do momento e os ímpetos do próprio espírito buscam alçar voos; a metodologia científica traça planos, controla âncoras e toma a direção da nave jurídica.


Não há como saber se os juristas ou se os aplicadores do direito devem buscar a efetividade da lei ou a da justiça sem saber distinguir lei, de direto e de justiça. É necessário conhecer suas naturezas, suas essências, para não cair no equívoco de quem emite opinião com base na observação das questões acidentais de tal temática. Não basta ver o que cidadãos fazem do direito, é rigoroso buscar ver o que o direito pode fazer pelos cidadãos.


O direito é um ente coletivo de corpo imaterial, impessoal, cuja vocação se realiza no casamento com a justiça. O habitat do direito é a sociedade, seu comportamento é o jurídico e seus campos de atuação são o judiciário e a sociedade, nos quais soergue o edifício do ordenamento social cujos filhos são a paz, a saúde e o bem-estar sociais. Vale observar que se nutre do axiológico, ilumina a sociedade com a luz da democracia e exerce sua missão no exercício do dever-ser e a possibilidade da sanção.


Sua amada, a justiça, já foi cortejada pelo darwinismo social, mas se deu conta de que a lei do mais forte deixa órfão o mais fraco e também foi para evitar o desamparo do indivíduo que a coletividade ganhou força contra os abusos dos mais fortes. A justiça não poderia virar as costas ao mais fraco. Ao contrário, é enamorada do direito que equilibra o peso da balança, impedindo que o peso do forte subjugue o hipossuficiente.


Numa perspectiva longeva, o direito pode ser visto como forma cujo conteúdo é a justiça – como ensinou Sílvio de Macedo – e, nesse sentido, são inseparáveis. Hoje, não obstante, vejo-o em uma separação, ainda que não divorciado. Parece-me que, em boa parte de seus estudiosos ou aplicadores atuais, o direito está como uma realidade que se realiza no direito positivo, tantas vezes pragmático; ao passo que a justiça, no coração da sociedade, subsiste no direito natural, tantas vezes rechaçado ou desdenhado. Ou seja, não cabe dizer divórcio entre direito e justiça, o que soaria como heresia, mas é inegável ver os flertes do direito com práticas duvidosas, a contrastar com o anseio natural do homem pela justiça. Daí a percepção de o cidadão comum tantas vezes sentir-se escandalizado ou indignado ao não ver aplicadores do direito realizarem o justo. É como ver silenciosamente serem rasgadas partes do contrato social, num sentimento de que o anseio social estaria a assistir valores basilares da sociedade serem traídos.


Há os que olham o certo e dizem o que é certo. há os que ditam o que querem que seja considerado certo e há os que estão certos de que devem apenas agradar às suas próprias subjetividades. Óbvio que só na primeira opção o direito se realiza na justiça. Claro também que há os que olham e não conseguem mais enxergar o que é certo. E, convenhamos, quando um mal social contamina o pensar de uma sociedade, a cegueira espiritual impede que se enxergue corretamente o que é certo. Situação na qual, o olhar coletivo de uma época fica prejudicado em sua capacidade e incapaz de aplicar o direito casado com a justiça. É por isso que muitas vezes os filhos da sociedade não conseguem compreender abismos que surgem entre Judiciário e justiça. Afinal, aquele aplica o direito, enquanto o povo aguarda a justiça. Enquanto aquele pode cegar-se em devaneios positivistas ou subjetivos, os que mais precisam da força do Estado rogam aos céus que a justiça não lhe seja negada nem fique esquecida ou ocultada.


Recorde-se que, ainda que muitos se incomodem com poder que emana do povo e o represente, a democracia permanece como realidade na qual a dignidade humana se manifesta na sociedade. E nela brotam multiplicidades de correntes e ideologias, algumas das quais chegam ou revezam-se no poder estatal, incluindo na Presidência. Nela, se dá a escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a ele a sociedade recorre como última instância a recorrer para proteger os cidadãos em seus direitos amparados pela lei máxima reconhecida pelo ordenamento jurídico pátrio: a Constituição Federal.


Ora, como é perceptível, enquanto os representantes dos poderes legislativo e executivo são eleitos diretamente pelo povo, os representantes do povo no órgão máximo do judiciário, os ministros do STF, são escolhidos indiretamente pelo povo, por meio do Presidente da República. Logo, são selecionados no espírito das ideologias dominantes numa época de governança.


O que nem sempre fica claro é que assumem o dever de guardiões da Constituição segundo o espírito da lei, não segundo os ímpetos das correntes ideológicas que os direcionaram ao órgão máximo do Judiciário. Ora, os demônios ideológicos de uma corrente de uma determinada época, seja de direita ou de esquerda, podem levar a verdadeiras distorções do texto existente na lei, fazendo da Constituição uma mera simbologia a camuflar a égide da relatividade dos ventos das ideologias momentaneamente no poder.


Em tal perspectiva, a subjetividade dos julgadores se sobreporia à própria Constituição. Nessa linha de relativismo, o cientista do direito estaria descaradamente autorizado a virar as costas aos valores morais e, para a tristeza do pensamento de Hans Kelsen, poderia impor suas escolhas e preferências pessoais, utilizando os mecanismos jurídicos não para a justiça, mas para a satisfação de suas subjetividades.


A dúvida que repasso aos doutos leitores é se, na conjetura do surgimento de uma era de membros de uma suprema corte (de qualquer país) que viesse a julgar com base nas correntes que os guiaram – em vez da representatividade que delineou a letra da Lei Maior (Constituição), em tal hipótese haveria mais a ocorrência de qual opção: (a) uma era de instância máxima contaminada por prática de direito viciado em instâncias inferiores ou (b) uma má prática em instância superior a irradiar contaminação para os aplicadores em instâncias inferiores?


Indago, enquanto conclamo a um direito fiel à justiça, pautado no bem-estar social, praticante da virtude e respeitador de sua própria natureza.


Maceió, 29 de janeiro de 2024.


Alisson Francisco Rodrigues Barreto