Enio Lins

Aborto necessário de uma inconstitucionalidade cruel

Enio Lins 23 de janeiro de 2024

Em boa hora, liminar do Poder Judiciário suspendeu lei municipal que extrapolava as atribuições da legislação federal no tocante a interrupção de gravidezes. Inconstitucional, esse dispositivo foi abortado.

Pelo divulgado, a norma aprovada pela Câmara de Maceió determinava que, “ao realizar aborto legal na rede pública do município, as mulheres teriam que assistir a vídeos e visualizar imagens com fetos”, entre outras formas de pressão psicológica.

Considerando que a mulher busca interromper legalmente a gravidez não como método anticoncepcional, mas por risco de vida ou gestação decorrente de estupro – motivos muito traumáticos – como, sob tamanho estresse, acrescer constrangimentos excepcionais?

O QUE DIZ A LEI MAIOR

Em seu artigo 128, o Código Penal define as possibilidades do “aborto necessário”, em dois incisos: “I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

Essa legislação está em vigor há 83 anos e 23 dias, instituída pelo Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. É a lei. Não lhe cabe penduricalhos estaduais ou municipais. Apreciando Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pela Defensoria Pública, o TJ determinou a suspensão, em caráter liminar, desse equivocado dispositivo municipal.

REVITIMIZAÇÃO CRUEL

Segundo reportagem da Tribuna Independente, o Defensor Público-Geral Carlos Eduardo Monteiro, entrou com uma ADI por considerar “a inconstitucionalidade material da lei também pode ser constatada pelo desrespeito aos princípios constitucionais federais e estaduais relacionados ao bem-estar social, ao direito à saúde e à dignidade das mulheres, que, em situação de extrema vulnerabilidade psicológica, serão revitimizadas nos casos em que foram estupradas ou, ainda, em que se encontram em risco de vida”.

Sobre a petição de Monteiro, reporta a Tribuna: “a lei violou a Constituição Estadual, que estabelece que o município deve se organizar atendendo aos princípios da Constituição Federal. Além disso, a lei municipal tentava legislar sobre matérias que não são de interesse exclusivamente local, conforme determina a Constituição Estadual, mas sim de efeito geral, ultrapassando, dessa forma, os limites de sua competência”.

VULNERABILIDADE DESCONSIDERDA

Atendendo à petição em caráter liminar e despachando-a para apreciação pelo Pleno do Tribunal de Justiça, o Desembargador Fábio Ferrário considerou que “a Lei Municipal nº 7.492/2023 desconsidera completamente a situação de fragilidade e vulnerabilidade em que se encontra uma mulher que está prestes a realizar um aborto. A decisão por realizar este ato, sem sombra de dúvidas, não é fácil, assim como é extremamente delicada a conjuntura vivenciada pela mulher que a permitem abortar de forma legal”.

Escreveu a jornalista Thayanne Magalhães: “o relator [Desembargador Fábio Ferrário] destaca ainda a necessidade de aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ‘No referido protocolo, são apresentados conceitos e orientações para que o Poder Judiciário não seja mais uma instituição a reforçar desigualdades estruturais e históricas contra a mulher’”.

Aplausos para o Defensor Público-Geral e para o