Enio Lins
O cinismo e o mundo em crescente risco nuclear
Em sua edição de 16 de janeiro, a Folha de São Paulo publicou instigante matéria com o título “’Irã cruzou todas [as] linhas vermelhas rumo à bomba atômica’, alerta ONU”. Puxa vida! A morte ensombra o mundo quando se fala em armamento nuclear.
Desde que os Estados Unidos usaram como cobaias Hiroshima e Nagasaki, o mundo vive o terror de acontecer outra matança atômica. Com razão, pois o uso da energia nuclear provou sua supremacia letal frente todas as demais armas.
Nessa reportagem da Folha, a fala entre aspas é do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, que declarou “a comunidade internacional está assistindo o Irã cruzar as ‘linhas vermelhas’ estabelecidas por seus adversários rumo à fabricação de uma bomba atômica”.
QUEM PODE TER BOMBA NUCLEAR?
Grossi deveria ter ficado vermelho de vergonha ao falar essa frase. Verdadeiras palavras, ao reconhecer – em primeiro lugar – que os tais marcos de proibição foram estabelecidos pelos adversários do país acusado de montar sua primeira bomba.
Deveria a ONU se ruborizar pela vergonhosa posição de silenciar sobre uns e vociferar sobre outros dentre os países com armamento nuclear, apesar de ser óbvio que as Nações Unidas jamais tiveram poder para deter esse processo.
Vergonha, para o dito mundo civilizado, é a dubiedade de posicionamento e a incapacidade de órgãos como a ONU de se postarem de forma independente e crítica, sem vezo político, frente à corrida armamentista de destruição em massa.
Isso posto, é fundamental criticar o cinismo de apontar apenas para um ou outro país fora do sistema de dominação hegemônica como o único responsável pelo mundo viver à beira de uma catástrofe sem precedentes.
VILANIAS UNILATERAIS
Pelas normas das potências hegemônicas que afloraram das cinzas da II Grande Guerra Mundial, “apenas cinco países” poderiam ter armas nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha. Oquei?
Mas a este quinteto atômico, somaram-se Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. O clubinho agora tem nove países aptos a darem fim ao mundo. Quais critérios que a ONU usa para falar em “linhas vermelhas” para A ou B? Os dos inimigos de A ou de B?!
Só para citar dois países com posturas agressivas: se Israel e Coreia do Norte estão com armas atômicas nos coldres, como criticar outras nações por passearem nesse faroeste mundial com ogivas nucleares nas suas cartucheiras?
CINISMO CONIVENTE
Desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953, a estrepitosa Coreia do Norte só faz esbravejar, mas não ataca ninguém. Israel, a partir do atentado ao Hotel Rei Davi (em 1946, antes mesmo de sua fundação oficial em 1948), é puro terror contra quem considera inimigo.
E mais: o Irã, profundamente reacionário e obtuso em seu fundamentalismo, depois do poder xiita, só guerreou contra o Iraque, mas tem sido alvo constante de ações terroristas do serviço secreto israelense – sem direito a “autodefesa”.
Correto mesmo, apesar de inviável na prática, é a ONU defender intransigentemente o desarmamento nuclear e desativação de todas as armas de destruição em massa, denunciado todo e qualquer país que investa nesse segmento letal. Um sonho impossível? Sim, nos marcos contemporâneos, mas é um princípio ético, um ícone da paz, que não pode continuar a ser usado como referência de cinismo e politicagem.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.