Enio Lins
O dia seguinte: um “Dia do Fico” da Democracia
Ainda atônita, a Nação acordou naquela segunda feira, 9 de janeiro de 2023, sob o choque de um domingo de bagunça, vagabundagem e violências cometidas por hordas bolsonaristas que seguiam as diretivas de seu messias autoexilado em Miami.
Jair Messias, desde 1987, ainda militar da ativa, vociferava quarteladas, prometia ações terroristas (como a explosão do gasoduto do Rio de Janeiro), defendia o assassinato de adversários políticos – mas não era levado a sério, seria mero mito falastrão.
Na presidência da República, aonde chegou graças a votos ganhos por uma facada suspeita que lhe salvou da derrota nas urnas, pregou o golpe do começo ao fim de seu mandato, tentando-o no oitavo dia de sua defecação do Palácio do Planalto.
Resistência militar ao golpe bolsonarista
Apesar de ter expressiva legião de fãs nas Forças Armadas, o ex-capitão nunca foi unanimidade, muito menos seu ideário golpista seduziu a maioria do oficialato, mesmo sabendo-se da supremacia do pensamento à direita em todas as armas.
Jair Messias começou a perder substância na base castrense com a retirada do General Santos Cruz da Secretaria-geral da Presidência, em 30 de junho de 2019, deixando visível uma fissura na suposta liderança incondicional do “mito” entre os fardados.
Em 29 de março de 2021, o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, foi demitido por Jairzinho porque se opôs ao envolvimento militar na escalada das pressões golpistas do falso messias contra o Poder Judiciário.
No dia seguinte, Edson Pujol, Ilques Barbosa e Moretti Bermudez, respectivamente comandantes do Exército, Marinha, e Aeronáutica, entregaram seus cargos – de forma inédita na história brasileira –, em protesto às ululantes manobras bolsonaristas.
Em julho de 2022, durante visita ao Brasil, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, jogou uma panela de água fria no discurso golpista de Boçalnaro, ao declarar confiança na Democracia e no sistema eleitoral brasileiro.
Tentando um golpe “com o povo nas ruas”
Percebendo a derrota iminente, o eminente mito acelerou suas investidas contra o sistema eleitoral e contra o poder judiciário, e – no segundo turno – chegou a conseguir a participação da Polícia Rodoviária Federal numa escandalosa ação golpista.
Mas nada deu certo e, democraticamente, Boçalnaro foi derrotado nas urnas em duas surras inquestionáveis. Aí entra em cena o circense Movimento Patriotário cercando os quartéis em todo Brasil, a implorar um golpe militar.
Covarde como sempre, o capitão miliciano fugiu do país nos últimos dias de seu mandato e se homiziou nos Estados Unidos, às custas do dinheiro público, para comandar, de longe, os procedimentos golpistas em seu próprio benefício.
Enxames de vivandeiras patriotárias, em histeria, montaram ninhos nas casernas, onde, entre animados churrascos (financiados por quem?), cometiam presepadas como desfiles em ordem-unida e oravam pelo assassinato da Democracia.
Sem dúvida, como no “grande circo patriotário” montado defronte ao Comando Militar em Brasília, os golpistas tiveram o apoio de oficiais graduados. Mas, ao fim e ao cabo, o falso messias não conseguiu quebrar a hierarquia.
Uma ousada pantomina golpista
Não foi a primeira tentativa de golpe no Brasil, óbvio, mas a novidade da intentona miliciana de 8 de janeiro é ser obra de um ex-presidente, desde quando ainda no poder, utilizando todo o sistema em favor de sua subversão escancarada.
Tentou-se “legitimar” o golpe pela via da “multidão nas ruas”, que teria a missão de desmoralizar os poderes constituídos e, com isso, atrair ou imobilizar a majoritária parcela sã das Forças Armadas frente ao assalto à República.
Não deu certo. Perplexas num primeiro momento, surpreendidas (idiotamente) pela infiltração bolsonarista nas estruturas de segurança (ABIN & Cia.), as autoridades constituídas demoraram horas, que pareceram dias, para responder à altura. Mas o fizeram.
No dia seguinte à tentativa golpista mais histriônica que o mundo já viu, o golpe estava dominado, vencido. Mas seus líderes e financiadores, um ano depois, ainda não foram chamados à barra da Justiça. Aguardemos os próximos capítulos.
9 de janeiro de 2023 entrou para a história como o Dia do Fico da Democracia, confirmando que a Liberdade não seria “CPF cancelado” por mais um golpe. Esse trio patético – políticos corruptos, militares da ultradireita, milicianos urbanos e rurais – foi derrotado há um ano, mas segue forte e ansioso por nova tentativa de assaltar o poder. Toda atenção é pouca frente a essas quadrilhas velhas e viciadas.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.