Enio Lins

Ser ou não CEI: eis a questão

Enio Lins 06 de janeiro de 2024

Há quem enxergue as CPIs e suas congêneres estaduais e municipais como panaceia. Tolice, pois não existe remédio definitivo para todos os males, muito menos uma comissão de inquérito tem o condão de se sobrepor aos poderes constituídos.

Mas importante, e muito, é a Comissão Especial de Inquérito que tenta se instalar na Câmara de Maceió para o Caso Braskem. Sem dúvida, o poder legislativo municipal tem, nesta CEI, a maior oportunidade, desde 1991, de cumprir seu papel frente a um crime ambiental de grande envergadura.

Em 28 de maio de 1991 a Câmara Municipal de Maceió finalizava os trabalhos da Comissão Especial de Inquérito “ACIDENTE NO POLO CLOROQUÍMICO DO ESTADO DE ALAGOAS”. Note-se que tal ocorrência aconteceu em área do município de Marechal Deodoro, mas o poder legislativo maceioense assumiu a missão de investigar o caso pelo fato daquela contaminação ameaçar alcançar a Lagoa Mundaú e o lençol freático da capital.

Duraram cerca de três meses os trabalhos da CEI do acidente no Polo Cloroquímico; o relatório final constatou os perigos do caso e encaminhou aos poderes competentes uma lista de cinco procedimentos a serem tomados. Ah, sim: uma comissão de inquérito não manda prender ninguém – em essência, não pune, nem condena, sugere medidas.

No caso da CEI de 1991, suas indicações caíram no esquecimento. Mas a Câmara Municipal de Maceió, naqueles idos, cumpriu sua missão. Investigou, pesquisou fundo – junto a técnicos competentes – o acidente, suas causas e consequências.

Completando 33 anos em maio, a CEI do vazamento da ALCLOR foi proposta e presidida pelo vereador Marcus Vasconcelos, e teve como relator o vereador Roberto Suruagy (Suruca). O relatório, suscinto e direto, deve ter cópia guardada na Câmara de Maceió.

“Efetivamente o desastre ecológico se verificou. É estranhável e profundamente lamentável o fato de que o acidente ocorreu há, aproximadamente, 01 (hum) ano e sua comunicação ao Governo do Estado e ao Sindicato dos Trabalhadores (...) – SINDIQUÍMICA, somente se verificou nos últimos 90 (noventa) dias, por iniciativa da SALGEMA INDÚSTRIAS QUÍMICAS, acionista majoritária da ALCLOR. A população, por sua vez, só tomou conhecimento do fato graças ao SINDIQUÍMICA”, relatou a CEI.

“(...) a SALGEMA chegou a contratar empresas especializadas para oferecer laudos técnicos a respeito, os quais embora com conclusões obscuras e dúbias, chegaram a constatar a presença de clorofórmio, dicloropropano e dicloretano, além de outras substâncias químicas, em poços artesianos da ALCLOR e CPC, só bem depois comunicando o fato ao Governo”.

Como o citado acidente ameaçava de contaminação os municípios de Maceió, Marechal Deodoro, Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte e Pilar, as indicações da CEI de 1991 foram endereçadas – além dessas prefeituras – principalmente ao Governo Estadual.

Como primeira providência, foi solicitada a realização de “uma ampla auditagem ambiental e interdisciplinar, com participação de profissionais de notória especialização nas áreas de hidrologia, química, biologia, medicina do trabalho, dentre outras, para diagnosticar o nível e extensão do desastre ecológico ocorrido”. Nesse item está contida, repito, há 33 anos, uma constatação perigosa que segue em cartaz: apenas a empresa causadora do problema sabe a extensão do mal provocado por ela mesma.

Segunda indicação: “Sugerir ao Chefe do Executivo Estadual a definição de uma política prioritária para o Meio-Ambiente e, dentre outras sugestões, dotar adequadamente o Instituto do Meio-Ambiente dos equipamentos e demais recursos necessários a seu eficiente funcionamento”. Hoje, a questão central segue a mesma: falta de capacidade técnica dos órgãos ambientais de, por iniciativa própria, monitorarem os trabalhos de empresas de grande complexidade como a Braskem.

Nos dias em curso, o gravíssimo problema do afundamento das minas só entrou em pauta quando o desastre se tornou visível a olho nu. Desde 1984, quando foi denunciado o risco de desabamento das minas, até surgirem as inegáveis rachaduras no bairro do Pinheiro, a empresa (Salgema/Braskem) negou sistematicamente essa possibilidade, esgrimindo laudos técnicos que garantiam a estabilidade das cavernas, e os órgãos públicos não tinham, nem têm, como verificar tais parâmetros de alta sofisticação.

Hoje a Braskem segue no comando da situação, colhendo os dados, informando o que considera apropriado, e repassando os pepinos para o Governo do Estado e a Prefeitura de Maceió. Tornou-se proprietária privada de bairros inteiros e teria se eximido de responsabilidades futuras para o que venha a acontecer em solo maceioense pela soma de R$ 1,7 bilhão. Puxa vida: é ou não motivo suficiente para a Câmara Municipal da capital voltar a jogar seu papel de protagonista como há 33 anos?