Enio Lins
Balas em cima de todos, morte acima de tudo
Na terça-feira, 21, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência nas Escolas, em reunião na Câmara dos Deputados, aprovou relatório com propostas para enfrentamento da tragédia dos ataques contra ambientes escolares.
Importantes medidas estão propostas no relatório, inclusive o monitoramento virtual das escolas, incremento tecnológico positivo para a segurança pública em quaisquer ambientes. Mas uma questão vital, aparentemente, ficou de fora.
Pelo divulgado na mídia, o relatório não recomenda uma maior restrição ainda às compras de armas e de munições, nem propõe ações específicas de mapeamento e recolhimento do excesso de armas e munições em todo Brasil.
UM CARNAVAL DE ARMAS E MUNIÇÕES
Apesar das medidas elogiáveis e indispensáveis do governo Lula em revogar a bagunça instituída pelo mito (também) no quesito armamento & municiamento, entre 2019 e 2022, o País segue infestado por balas (à espera de uso).
Patologia disseminada no mundo pelas tragédias americanas de ataques aleatórios contra alvos civis em locais públicos, os atentados às escolas – desgraçadamente – chegaram ao Brasil. E aqui, como lá, o acesso às armas e munição é decisivo.
Dos Estados Unidos, esse tipo de tragédia fez escola especialmente a partir do “Massacre de Columbine”, ocorrido em 22 de abril de 1999, quando foram assassinados 12 alunos e um professor na Columbine High School.
Lá esse tipo de ocorrência reaqueceu o debate sobre a anarquia generalizada na compra, posse e porte de armas – mas o poder de corrupção da poderosíssima indústria armamentista americana impede modificações nas leis estadunidenses.
UM GIGANTESCO POTENCIAL HOMICIDA
Em 27 de maio de 2019, Jair Messias, na condição de presidente da República, emitiu o decreto nº 9.797, possibilitando a compra legal de, pelo menos, 2,1 bilhões de projéteis, considerando apenas o número de armas registradas até então.
Reportagem da BBC Brasil diz que “essa quantidade é suficiente para que 5,7 milhões de disparos sejam efetuados por dia no país”, constatando: “o decreto nº 9.797/19 aumentou de 50 para 5.000 o limite de projéteis que podem ser adquiridos por ano”.
É isso aí: Jair aumentou de 50 para cinco mil balas que poderiam ser compradas anualmente, possibilitando cada atirador disparar 13 tiros por dia (incluindo sábados, domingos e feriados). Puxa, nem Búfalo Bill sonhou com isso.
Lula, assim que chegou à presidência, revogou essa anarquia bélica – mas, dentro da legislação bolsonarista, compreendendo aquele espaço de 2,1 bilhões de balas, quantas foram adquiridas e quantas seguem estocadas?
Como aquelas compras devem ter sido oficiais, documentadas (será que foram mesmo?), é possível um levantamento mais preciso, um mapeamento de quem comprou munições, quanto comprou e quantas usou.
Essa estatística deveria ser a base para uma política de recolhimento desse arsenal (de munições e armas), via recompra, e seu redirecionamento para as forças de segurança pública. Isso seria um bom começo, um alento.
MENOS ARMAS E MUNIÇÕES, MENOS RISCOS
Sempre pairou a desconfiança geral de que a abertura das comportas para armas e munições entre 2019 e 2022 se destinava a abastecer (mais facilmente) o crime organizado – mas sociopatas individuais também tiveram acesso.
Deve-se levar em consideração que, até o final de 2022, em função dessas liberalidades, o número de armas registradas no Brasil dobrou, pulando de 1,5 milhão para quase 3 milhões, segundo a Agência Brasil.
Legalmente, em consequência, dobrou o espaço de compra de munições no período de validade da política miliciana-bolsonarista. É um universo assustador que exige uma nova política, específica, de controle.
Revogar os dispositivos legais do armamentismo bolsonarista-miliciano foi essencial, repito. Mas insisto: sobre esse item não podemos ter o entendimento “o que passou, passou, agora bola pra frente”, pois as balas – aos milhões – estão aí, nas quebradas.
Balas não foram concebidas para o esporte, embora possam ser usadas também nessa prática. Balas foram cientificamente evoluídas, aperfeiçoadas ao longo dos séculos, com uma finalidade precípua: matar. Isso não pode ser ignorado.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.