Enio Lins
O dia em que o Brasil virou Brasil, entre mitologias e realidades
Nos últimos tempos a historiografia não oficial, reflexiva e provocadora, tem carimbado como “golpes” acontecimentos marcantes antes livres desse epíteto, como a antigamente chamada “Revolução de 30” e até a Proclamação de República.
Por outro lado, essa mesma tendência analítica deixa de fora movimentações como o levante recifense de 1817 (usando ainda o indevido termo de “revolução”) e a nordestinadamente Confederação do Equador, em 1824.
Para a tentativa segregacionista dos Farrapos igualmente se ajeita cerimônias de louvação ao movimento separatista comandado por Bento Gonçalves com participação especial do revolucionário italiano Guiseppe Garibaldi. E por aí vai.
Fato é que todas essas agitações, insurreições e intentonas são complexas, têm motivações distintas e, quase todas, pouca participação popular além do ancestral e tradicional papel de bucha de canhão, como se dizia antanho.
Todas têm seus méritos e seus deméritos, conquistas e retrocessos. Todas contêm importantes lições, ensinamentos preciosos – quase sempre menosprezados, com o festejo da efeméride local substituindo uma análise mais criteriosa.
UMA INDEPENDÊNCIA AJEITADA
Não poderia ser diferente em relação ao Sete de Setembro. É uma conquista histórica, um avanço impactante não só para o Brasil, mas para a correlação de forças mundiais naquele começo do século XIX.
Mas, ao contrário dos Estados Unidos, a independência do Brasil não foi um gesto insurrecional, uma ruptura revolucionária, pois a mesma dinastia seguiu reinando nos dois países que já eram reino unido, e não mais colônia, desde 1815.
Para confirmar a uniformidade das mesmas elites luso-brasileiras no poder, Pedro I passou adiante a coroa brasileira ao filho criança, e voltou para Portugal onde recolocou a coroa portuguesa no próprio quengo como Pedro IV.
Os Bragança se mantiveram no poder aqui e além-mar sem constrangimentos e com eles (Pedro I/Pedro IV, Maria II, Pedro II...) as mesmas elites dirigentes lá e aquém-mar, fechando bons negócios e indenizações recíprocas.
Sempre existem segmentos descontentes e dissidentes entre as elites. As classes dominantes vivem em brigas latentes que explodem em conflitos guerreiros aqui e ali, e no processo de Independência do Brasil isto também ocorreu.
Por esse ângulo de visão merecem mais estudos as batalhas reais pela independência brasileira, desde a expulsão das tropas portuguesas de Pernambuco em 1821, passando pela Batalha do Jenipapo (Piauí) e o 2 de julho (Bahia), em 1823.
Todos esses confrontos pela consolidação da Independência do Brasil foram heroicos e patrióticos, porém pouco estudados e praticamente ignorados para além das comunidades onde ocorreram. Hora de se rever isso.
DATA PARA SE COMEMORAR SEM VACILAR
Resumindo: nesse cenário rico em complexidades, contradições e particularidades, personagens e fatos ainda esperam a transição de mitológicas referências para focos de estudos e conhecimentos mais aprofundados.
Entre os Bragança, Dom João VI é acintosamente menosprezado, Dom Pedro (I/IV) supervalorizado, Pedro II santificado, Princesa Isabel romanceada. E a Princesa Leopoldina, uma gigante para a Independência, quase ignorada.
Entre as lideranças brasileiras, felizmente José Bonifácio foi parcialmente salvo, reconhecido como o “Patriarca da Independência” – mas quem mais, entre os nativos, teve papel preponderante na construção do Brasil-Nação?
Viva a Independência do Brasil! Viva o estudo sobre o surgimento do Brasil-Nação! Abaixo todas as mitologias e deformações históricas!
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.