Enio Lins
O falso messias, alma sebosa que precisa ser exorcizada
Uma tempestade de pedregulhos cai sobre o telhado boçalnarista desde quinta-feira. Rolam cachoeiras de provas, confissões, indícios, evidências dos mais variados crimes – com destaque, nesta leva, para a subtração de bens públicos.
Até a manhã de sexta-feira, momento em que esta coluna está sendo escrita, amontoavam-se na mídia: detalhes da suposta declaração do tenente-coronel Cid, comprovação das operações do advogado Wassef, quebra do sigilo bancário de Jair e Micheque...
Todos os veículos estão recheados de reportagens com denúncias consistentes sobre algumas das atividades criminosas desse indivíduo execrável, delinquente contumaz e vulgar que ocupa lugar de destaque na política nacional há décadas.
Cada uma dessas denúncias, cada uma dessas evidências de delitos cometidos merece comentário individual, caso a caso, primeiramente por mera motivação editorial: cada uma é uma bela e instigante pauta – pauta policial, ressalte-se.
Nos dias a seguir essa TIC TAC vai abordar, como tem feito sistematicamente ao longo desse primeiro ano de publicação, cada uma das falcatruas do falso messias. O ex-capitão, um marechal da covardia e do crime, merece muito mais. E terá.
Mas por hoje, nessas linhas, se tentará refletir sobre o que aconteceu para se chegar a tamanha degenerescência moral na política e na sociedade brasileira, cuja história de malfeitos gerais e malfeitores é longa e secular.
Jair é o maior, mais vergonhoso, mais escandaloso, mais cínico, mais covardaço dos nomes com projeção nacional na história da corrupção brasileira – e o que deve ser salientado, o que choca mesmo, é a idolatria que essa figura inspira.
Choca porque os delitos de Jair sempre estiveram expostos, visíveis e identificáveis em linhas gerais, apenas com detalhes operacionais ocultos, para toda população a partir de confissões desbragadas vociferadas pelo próprio meliante.
TRAJETÓRIA CRIMINOSA
Quando do surgimento de seu nome na imprensa, em 1987, Jair se apresentou, sem meias-palavras, como criminoso e como covarde. E tem sido aplaudido desde que se destacou como militar indisciplinado e arregão.
Há 36 anos que se passa a mão sobre sua cabeça criminosa. Passagem de pano iniciada quando a Justiça Militar, em decisão não unânime, declinou de puni-lo de acordo com a Lei, permitindo sua presença na reserva.
Não poderia ser outro o desfecho, pois esse delinquente conseguiu o beneplácito, a cumplicidade, dos que tiveram, ao longo de quase quarenta anos, a obrigação constitucional de simplesmente aplicar a Lei e não o fizeram.
Suas práticas e teorias criminosas, sempre impunes, o transformaram numa potente referência para o mais podre da alma brasileira que, paulatinamente, aflorou e se espalhou a ponto de cingi-lo com a faixa presidencial.
Jair é o mais forte exemplo do corrupto que brada contra a corrupção, do entreguista que jacta patriotismo, do covarde que se diz valente, do preguiçoso que elogia o trabalho, do militar inimigo da disciplina e da hierarquia – ele é o mito da hipocrisia.
Seria um problema menor se tais deformações morais se restringissem a ele e a seu círculo mais próximo, mas o fato é que essa alma sebosa reflete as atrofias de muitos milhões de corações e mentes. A presidência apenas turbinou isso.
Mas sempre é hora de enfrentar o mal, e os passos dados nesses recentes dias descortinam a esperança de que alguma atitude, mesmo que tardia, seja tomada de forma exemplar contra isso que é algo além de uma grande quadrilha.
É hora de se confrontar esse lado apodrecido da sociedade brasileira. Não se trata de combater um indivíduo criminoso acolitado por meia-dúzia de delinquentes, a questão é desbaratar um movimento messiânico do crime organizado.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.