Enio Lins
No oitavo dia, um réquiem pagão para Plínio Lins
Plínio era carioca da gema, nascido e criado na Ilha do Governador, de onde se orgulhava de manter viva na lembrança todas as ruas, casas e praças da sua vizinhança de menino. Mudou-se para cá por amor às lagoas, mas veremos isso adiante.
Paraibano, o pai do nosso herói era integralista, camisa verde com o sigma na braçadeira. E, pasmem, o futuro comunista Plínio Jayme Vieira Lins foi levado à pia batismal pelo próprio Plínio Salgado, o Führer do fascismo brasileiro.
Deste cedo, entretanto, o afilhado salgou o apadrinhamento e enveredou pela canhota, jogando o jogo pesado a que foi forçada a geração 68. Era o auge da resistência contra a ditadura militar. O Rio começou a lhe ficar inóspito.
Temendo o destino trágico dos “subversivos”, a família financiou para Plínio Jayme (ele tinha um irmão chamado Plínio Abará...) uma moto de reforçada cilindrada, fazendo pender a balança ideológica para o lado hippie do garoto rebelde.
Cumprindo o compromisso de passar um tempo longe das agitações e confrontos políticos, Plínio, aos 19 anos, renunciou à carreira de futuro guerrilheiro para ser motoqueiro. E varou o Brasil, curtindo tudo, sem hora para voltar, ao Norte.
Em Belém, após muita terra, trocou a estropiada moto por uma viagem num navio de carga rumo ao Caribe, onde bordejou sem aperreio, trabalhando a bordo de embarcações que aceitassem um grumete amador em troca do passeio.
Enfim, anos depois – liso, leve e livre –, estava pronto para decidir aonde ir para fixar residência, encerrando o período easy rider. Segundo ele relatava orgulhoso, fez um balanço de todos os lugares que havia conhecido e decidiu fácil: Alagoas.
DECISÃO NA LANCHA DO HORÁRIO
Conforme dizia, a decisão estava tomada desde 1972, quando rumava, de Maceió para Marechal Deodoro, a bordo de uma “Lancha do Horário”, embarcação de dois pavimentos, se maravilhando com os canais e lagoas.
Em todo esse longo percurso Rio – um monte de lugares – Maceió, Plínio sobreviveu cometendo todo tipo de trabalho, desde faxina até ensinando Inglês e Português. Sem nunca ter concluído curso superior, era craque em línguas.
Uma vez em seu definitivo pouso, abrigou-se no Coreto da Avenida da Paz, sempre feliz com a vida. Seguiu trabalhando em tudo que aparecesse: vendedor de túmulos, por exemplo. E as aulas de inglês sempre acudindo.
Afastando-se da praia, conseguiu uma vaga na Rádio Novo Nordeste, em Arapiraca, onde iniciou a saga na Comunicação, tendo como ponto de partida seu texto, escorreito, elegante, a ser lido pelos locutores. Marcou época na Capital do Agreste.
Foi se ajustando às redações, sem dispensar oportunidades, e mais tarde – já no pleno exercício do Jornalismo – fez concurso para a Caixa Econômica. Conquistou uma vaga, passando a ser também economiário.
UM TRABALHADOR DEDICADO
Casou-se com Celeste, tendo Ulla já a caminho. Depois vieram Pedro, Rodrigo e Isabel. E consolidou sua dupla jornada: jornalista e economiário, passando a ser uns dos principais redatores da Gazeta, então editada por Márcio Canuto.
Na redação gazetiana, ficou amigo de uma dupla paulistana, os irmãos Pompe: Carlos e Zé Luiz, ambos esquerdistas irrecuperáveis. Daí, no começo dos anos 80, os três estavam militando no então clandestino PCdoB.
Foi se destacando na redação profissional de textos políticos. Era excepcional em entender e se estender em textos fartos sobre o pensamento de outra pessoa. Bastava alguém falar: “quero dizer isso” e ele derramava “isso” em páginas fiéis.
Essa sinergia perpassou gerações e partidos: Eduardo Bomfim, Renan Calheiros, Djalma Falcão, Téo Vilela e até o exigente Renan Filho. Ninguém nunca precisou explicar duas vezes o que queria dizer. Ele escrevia sem necessitar de correção posterior.
Na campanha presidencial de 1989 teve o passe emprestado pelo PCdoB para o PT com a finalidade de escrever textos para o então candidato Lula lá. Foi o único momento, depois da saída do Rio, que residiu mais de um mês fora de Alagoas.
Brilhou especialmente na condução das entrevistas ao vivo no Casablanca, rubro restaurante que tinha o camarada Cléo como chef – mais Victor Palmeira, Lúcio Bolinho, Adelmo Mota, Solange Viégas e Marola como sócios.
Ali, no Casablanca, entre aquelas antológicas entrevistas do “Conversa de Botequim”, divorciado há alguns anos, conheceu Ana, com quem se casou novamente e com ela viveu até morrer. Tiveram Marina e João.
Pouco antes do câncer que o levaria, sofreu a perda de seu filho Pedro. Lutou obstinadamente pela vida, mesmo consciente das condições desfavoráveis na reta final. Foi um guerreiro, fiel a seus ideais. Um amante da felicidade, da boa comida, da boa bebida.
Puxa, faltou aqui o talento do Plínio para fazer uma boa síntese. Acabrunhado, cortei vários parágrafos, talvez preservando alguns sigilos. Encerro: Viva Plínio Lins!
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.