Enio Lins
A civilidade, a boa educação e o respeito voltaram
Lula protagonizou mais um momento de atenção da mídia ao entregar a condecoração da Ordem Nacional do Mérito Científico à Academia Brasileira de Letras, naturalmente representada por seu presidente Merval Pereira.
Nas redes sociais o buchicho passou a ser uma sequência de avaliações (díspares) sobre o clima fraternal entre Lula e Merval, por conta da linha ácida do jornalista em suas críticas (há anos) ao PT, aos governos petistas e, individualmente, contra Luiz Inácio.
Gesto cortês e democrático cujo impacto nas redes sociais descortina o prejuízo civilizatório causado pela patologia social bolsonarista, que radicalizou a prática da agressão pessoal como princípio para a relação entre pessoas com posições opostas.
Ora, o presidente da República entregar uma comenda nacional ao presidente de uma das mais antigas e representativas entidades civis brasileiras é algo que não deveria merecer destaque algum, por ser próprio da liturgia dos dois cargos.
Ora, ora, uma pessoa entregar um prêmio a outra pessoa, ambas desconsiderando nesse gesto as divergências entre uma e outra criatura, é uma atitude de corriqueira civilidade, educação e respeito pessoal. Procedimento que deveria ser usual.
Tais condutas, seja entre figuras públicas, seja entre seres privados, foram – desgraçadamente – como que expurgadas dos comportamentos brasileiros por conta de uma pregação ostensiva, petulante, desrespeitosa e exercida cotidianamente pelo dito mito.
Consequência dessa pregação são gestos como o de um cidadão invadir o aniversário de outro e o assassinar por discordar do tema da festa; nesse conceito de animosidade belicosa, o “direito a arma” é sinônimo do “direito de atirar em quem mereça”.
Nesse caldo de cultura criminoso, odiento – vírus mitológico que ainda circula à mão armada e com força em muitas bolhas – a fraternidade entre dois adversários no campo das ideias e ideais, Lula e Merval, causa espanto e estranheza.
Beleza e humanidade é o que se deve ver na harmonização entre dois adversários em torno de um objetivo, um valor, uma causa comum. Esse é o ensinamento: existe muita coisa maior, mais importante, que as divergências políticas conjunturais.
É o impacto causado pelas coisas (boas) voltando a seus lugares. Ainda bem.
HOJE NA HISTÓRIA
14 DE JULHO DE 1789 – Eclode a Revolução Francesa com um ataque à prisão da Bastilha, símbolo do poder absolutista. Irresistível, uma gigantesca onda revolucionária varre totalmente o que até então era a monarquia-referência da Europa, e anuncia um novo tempo.
Em 1649, na Inglaterra, o rei Charles I foi destronado e decapitado, mas por um movimento igualmente elitista, e o novo regime durou apenas nove anos, até 1658. O acontecido em 14 de julho de 1789 teve uma gigantesca participação popular e uma nova classe social, a burguesia, tomou efetiva e definitivamente o poder. Mesmo que algumas cabeças coroadas (a partir de Napoleão, em 1799) voltassem a reger a França em determinados momentos, o sistema nunca voltou a ser o mesmo, e a república se consolidaria ao fim e ao cabo.
Profundas, as mudanças trazidas pela Revolução Francesa – como a noção dos direitos da pessoa; um novo sistema métrico, a consolidação da divisão dos poderes entre o Executivo, Legislativo e Judiciário; e até o conceito da oposição dual esquerda x direita – chegaram para ficar. E se espalharam pelo resto do mundo dito civilizado.
No ano seguinte, o 14 de julho é celebrado pelo povo francês na Festa da Federação e, décadas depois, tornar-se-á o grande feriado nacional e a maior data cívica francesa.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.