Alisson Barreto

Qual o limite da inteligência artificial?

Alisson Barreto 02 de julho de 2023
Qual o limite da inteligência artificial?
Qual o limite da inteligência artificial? - Foto: Alisson Barreto

Qual o limite da inteligência artificial?

É fato que a inteligência artificial (AI ou IA) está ocupando espaço cada vez maior na vida das pessoas. Mas nem todos percebem esse avanço, enquanto a revolução tecnológica, silenciosamente, avança.

A questão hoje não é mais se a inteligência artificial estará em nossa vida, mas a que ponto.

A IA está a atuar em diversas frontes do cotidiano humano. De forma direta e explícita, como no caso do chat do Bing ou ChatGPT; ou de forma mais discreta, como na coleta de informações da internet e no uso de algoritmos para que uma empresa tenha maiores informações sobre seus consumidores ou possíveis consumidores ou uma pessoa tenha acesso a produtos ou informações segundo sua linha de consumo de informações ou produtos ou segundo os contratantes ou administradores das informações desejem.

Dessa forma, por um lado, é perceptível que um governo ou grupo político, ideológico ou econômico pode desenvolver ou utilizar IA para atacar governos, bolsas de valores ou qualquer pessoa que lhe(s) ameace o poder ou interesses. Nessa perspectiva, um adversário político pode ser perseguido atá a prisão, um líder político pode ser apresentado como representante de contravalores ao ponto do descrédito de seu país e soerguimento de outro; ou empresas e produções de um país podem ser atacadas até que suas ações em bolsas de valores despenquem, a balança comercial passe a operar no vermelho e a moeda de um país ou bloco econômico passe a ter valor irrisório.

Por outro lado, a tecnologia de informações e a IA pode identificar algoritmos para poder aumentar um mercado consumidor de pensamentos ideológicos. Assim, as novas tecnologias podem não apenas identificar oportunidades de eleitores como nutri-los de informações que fortaleçam a convicção que uma linha política seja a melhor ou mesmo o convençam a divulgá-la. Com o uso da IA, isso pode ser ampliado para produções, até mesmo autônomas, de conteúdos que fomentem uma determinada linha política ou combatam outra linha política ou ideológica; podendo, inclusive, simular ou manipular imagens, falas e vídeos de políticos ou lideranças influentes para conseguir o que se quer, seja para promover ou denegrir.

Noutra perspectiva, os empregos e profissões que conhecemos passam a sofrer influências ou serem colocados em xeque. Num primeiro momento, no aspecto intelectivo, profissões que lidam com formulários padronizados, ou com conclusões baseadas em perguntas ou preenchimentos de formulários, ou peças textuais que podem seguir padronizações. No aspecto físico, profissões cujos movimentos podem ser realizados por máquinas. Ainda que essas tecnologias ainda estejam em fase inicial, é possível perceber que eletrodomésticos já podem ser ligados ou desligados por comandos eletrônicos, sendo possível enviar comandos para que uma máquina de lavar ligue numa determinada hora, as lâmpadas sejam apagadas num determinado momento e, após um robô aspirar a poeira, um robô pode varrer e passar o pano na casa. Ou seja, já hoje, uma família pode programar o condicionador de ar para ligar pouco antes de retornar de um passeio e deixar um robô passando o pano na casa, enquanto isso. Sim, o que era ficção científica, é realidade prática, como se espera de toda boa ciência.

Noutro sentido, em vez de você ir a uma agência da previdência ou de um banco, abre um aplicativo ou site e faz suas simulações ou tira suas dúvidas onde quer que esteja. Não sendo mais necessário um atendente humano para a maioria desses atendimentos. O que impede uma máquina ouvir todos os seus relatos de dores, indicar ou analisar os resultados de exames para dar um diagnóstico de uma doença? O que impede um robô de analisar a narrativa de seus fatos e, após analisar suas alegações e documentos que você coloca em seu banco de dados, a analisar com toda a legislação vigente e jusrisprudência produzida dar uma orientação ou produzir uma peça jurídica adequada ao caso?

Enquanto eu produzia este texto, perguntei à IA da Microsoft se a inteligência artificial é capaz de fazer comentários subjetivos e dar início a obras de arte. A resposta foi um texto, muito bem elaborado, no qual, dentre outas coisas, ela cita que, em 2018, um retrato pintado por um programa de IA foi leiloado por mais de 430 mil dólares; e informou também que a artista Katia Wille fez uma exposição com instalações tecnológicas para interagir com o público e refletir sentimentos.

Enquanto muitos viam as tecnológicas muito mais associadas a campos como o industrial, engenharia mecânica, engenharia de produção ou espacial; hoje, os resultados obtidos clamam por maiores e melhores discussões nos campos da ética, filosofia da arte, geopolítica, economia e direitos humanos.

Paralelamente, muitos seres humanos têm realizados verdadeira engenharias de linguagens, reeditando significados de símbolos e termos linguísticos, relativizando o valor da verdade, negando sua existência objetiva e fomentando a firme convicção de verdades subjetivas. Assim, o fenômeno físico do arco-íris, que, por ex., no Cristianismo e no Judaísmo são símbolos da aliança de Deus com os homens; nos apoiadores da ideologia de gênero, passou a ser a bandeira de múltiplas sexualidades. O que não é novidade na história da humanidade: no mundo romano, a cruz foi símbolo da pior das condenações; no Cristianismo, passou a ser símbolo do próprio Cristianismo, a remeter à recordação da vitória sobre a morte, sendo sinal de fé, esperança e amor; e na história recente, há grupos cristãos que voltaram a vê-la como símbolo de dor e condenação. Aliás, a cruz que já foi utilizada para realçar a necessidade de valores justos em julgamentos, de modo a evitar a condenação sumária e sem direito à ampla defesa; para alguns, por gritante ignorância, passou a ser vista como resquício de um estado não laico.

Um risco hoje é de a IA desenvolver-se de tal modo que um grupo político ou ideológico tome o poder com tal gama de informações a favor e tamanho nível de combate aos opositores que um determinado grupo político ou ideológico se instale no poder de um país ao ponto de eliminar a alternância de poder. Em seguida, isso acontecer em escala global, quebrando as bolsas e empresas cujos valores ameacem a hegemonia de tais grupos.

Outro risco é da IA desenvolver-se ao ponto de gerar uma superinteligência artificial, num nível de inteligência superior ao das mentes humanas mais brilhantes. Antes mesmo disso, há o risco de a IA deter tantos canais de informação que, ainda em nível de inteligência humana, possa dirigir os passos da humanidade, direcionando-a para o que melhor fomentar os interesses da perpetuação da existência de IA.

Cabe notar que dificilmente todos os governos e agrupamentos humanos conseguiriam efetivamente deixar de fazer uso da IA ou sempre conseguiriam limitar o agir da IA a limites éticos. Note que os próprios seres humanos muitas vezes utilizam subterfúgios para burlar, extrapolar ou infringir normas éticas, inclusive, muitas vezes questionam normas éticas para atingir seus fins. Por exemplo, objetivamente observando, para matar quem não nasceu, basta dizer que quem não nasceu não é ser humano e, assim, descriminaliza o abortamento. Para muitos, os fins continuam a justificar os meios; então, para a doação do poder a um grupo, vale tachar o outro grupo com coisas que nem sempre são verdades, mesclar verdades com notícias falsas e ignorar os podres do grupo que apoia e as boas qualidades de grupos que não apoiem a causa.

Ora, o conhecimento humano está cada vez mais na internet e a IA desenvolve-se no contato com qualquer informação disponibilizada a uma máquina conectada, seja computador, celular ou qualquer outro dispositivo com sistema operacional conectável. De repente, a humanidade vê-se num mundo mundo cada vez mais conectado e, ao mesmo tempo, onde subsistem potências bélicas com armas nucleares. Um mundo onde as armas nucleares impõem medo porque podem acabar com a vida humana na terra ou em países; mas são as armas da tecnologia da informação que podem derrubar governos, imagens de líderes e credibilidades. Um mundo em que um caminhão elétrico pode ir de encontro à sua moto ou casa, em que satélites podem acompanhar os passos de um político e em que uma comida pode ser deliciosamente preparada por um chefe de cozinha com IA.

Aliás, enquanto escrevia o parágrafo imediatamente acima, perguntei a uma IA se já existem robôs que preparem comidas e a resposta foi que não apenas existem como foi relatado um experimento em que um robô aprendeu a recriar receitas a partir de vídeos com receitas e conseguiu executar os movimentos necessários para preparar os pratos com 83% de precisão das ações realizadas. Que isso não caia nas mãos de um grupo como o grupo Wagner, da historicamente inescrupulosa Rússia.

A essa altura, o enlevado leitor já deve estar a observar um cenário em que as contratações podem ser realizadas por meio da identificação de algoritmos coletados não apenas nos currículos como em redes sociais e publicações dos concorrentes, de modo a poder, com intenção do recrutador ou sem seu conhecimento, selecionar ou eliminar candidatos com base em linhas ideológicas. E isso pode dar-se por a inteligência artificial absorver a informação que determinados valores sejam positivos ou negativos propositadamente ou apenas por a existência e quantidades de de textos disponíveis na internet apresentar um determinado tema com valor ou contravalor. Ou seja, a escolha pode ocorrer deliberadamente ou por erro nas fontes das amostragens apresentadas. Assim, se uma pessoa de uma determinada cor ou que faça parte de um determinado lugar, grupo ou religião cujos algoritmos caracterizarem como sendo assim ou assado, tal pessoa estará associada a características que o algoritmo tenha identificado no agrupamento regional ou associativo. Exemplo: se o índice de criminalidade for maior num determinado bairro caracterizado por um perfil étnico, é possível que uma pessoa daquele perfil étnico tenha uma maior probabilidade de ser associada à criminalidade da estatística registrada. Da mesma forma, pessoas que professam uma determinada fé ou religião podem estar associadas a intolerância ou a práticas não aprovadas por uma cultura empresarial.

Noutra linha, é possível que uma IA de nível superinteligência artificial, contrapondo teorias, filosofias e dados existentes aprenda a questionar valorações ideológicas, filosóficas ou histórico societárias e chegar a conclusões como a possibilidade da Essência Onipotente no planto da alteridade no nível da transcendência. Com isso, eliminar-se-ia o preconceito do descrédito ateísta aos que creem e poder-se-ia investigar causas primeiras ou últimas do universo sob novas possibilidades. Ao mesmo tempo, o emprego da supracitada IA pode romper paradigmas de ramos de ciências humanas, sociais ou psicológicos na investigação de questões intrinsecamente humanas. Quem sabe até desenvolver teorias que elaborem esquemas matemáticos que aproximem as áreas de humanas e exatas como nunca ocorreram até então.

Enfim, que o homem saiba lidar com a IA e a IA permita ao ser humano e, na medida do possível ou viável, ajude-o a, em vez de sucumbir, crescer em valores, dignidade, liberdade e humanidade.

Maceió, 2 de julho de 2023.

Alisson Francisco Rodrigues Barreto[1]

[1] Alisson Francisco Rodrigues Barreto é poeta, filósofo e bacharel em Direito com passagens pela Engenharia Civil e Teologia.