Enio Lins
Zélia Maia Nobre: a estrela radiosa da Arquitetura alagoana
Zélia Maia Nobre é uma estrela radiosa, e com muito brilho; é a mãe de todos os cursos de Arquitetura no Estado, e mais que isso, foi a madrinha de uma renovação pedagógica no ensino superior alagoano que ainda não foi avaliada.
Zélia Pessoa de Mello, pernambucana, acrescentou o Maia Nobre ao casar-se com Vinícius, um alagoano-raiz. Ela Arquiteta, ele Engenheiro. Chegou aqui talvez sem a pretensão de sacudir o Estado da forma como sacudiu, mas fez história.
No começo, ao longo dos anos 60, era a novidade de um nome feminino nas placas de obra, território antes exclusivamente masculino. Lá estava, “Arquiteta: Zélia Maia Nobre”, quebrando a macheza de uma terra em que construção civil não era coisa de mulher.
Não foi a primeira, é verdade, pois Lígia Fernandes (irmã de Lysette Lyra) havia passado por Maceió em duas fantásticas casas, nos anos 50, mas Zélia veio para ficar e transformar. Ficou e transformou – formando gerações na Arquitetura e Urbanismo.
Ao fundar o curso de Arquitetura e Urbanismo, na UFAL, em 1974, Zélia iniciou uma ruptura com o academicismo e o burocratismo até então imperante. Inovou com o chamamento de um corpo docente jovem e incomum para os padrões da época.
Trouxe para o professorado da Universidade Federal de Alagoas jovens de todos os matizes, em seleção feita por ela mesma, sem restrições ideológicas quaisquer (comuns naquele tempo de ditadura): adotou conservadores, comunistas, hippies, feministas...
Rompeu com o padrão “MEC/USAID” preconizador de uma universidade sem faculdades, fria e tecnicista, onde a formação deveria se dar via disciplinas isoladas e sem centros de aglutinação específicos para cada curso. Zélia quebrou essa corrente na UFAL.
Não só defendeu o direito de um curso fazer-se núcleo, mas fez isso na prática, enfrentando toda a rigidez um tanto quanto militarizada da concepção vigente. Em 1976, invadiu um prédio então desocupado no Campus A.C. Simões e o ocupou sem aviso prévio.
Foi um auê. A ocupação rolou num final de semana, com um batalhão de estudantes por ela convocados. Portas abertas, uns móveis doados, almofadões e tapetes para preencher espaços até então ocos, placas em cada sala para indicar disciplinas que nem existiam ainda.
Arquitetura & Urbanismo tinha, de uma hora para outra, uma sede própria no Campus. Era o retorno da concepção da “Faculdade” com personalidade própria, resgatando o melhor da tradição universitária brasileira (coisa que o sistema queria enterrar).
Manter esse modelo isolado foi outra batalha. Zélia enfrentou toda uma estrutura burocrática de viés autoritário. Não foi fácil, mas venceu, apoiada por seu professorado ripongo e estudantes seus fãs, que eram “filhos” e “filhas” daquela mulher incomum.
Na retaguarda, tranquilo e seguro, Vinícius Maia Nobre, seu marido e cúmplice, então Secretário de Viação e Obras, que disponibilizava apoios estratégicos negados pela burocracia universitária. Que dupla dinâmica, fantástica: Zélia brigava, Vinícius ajeitava.
Os anos 80 já encontraram toda uma UFAL se reorganizando por cursos, mesmo mantendo o “sistema de créditos”, que se espelhavam no melhor da tradição das Faculdades, como núcleos de formação com personalidade própria.
Bom, além do curso de Arquitetura & Urbanismo, Zélia foi pioneira e transformadora na valorização do Patrimônio Histórico alagoano e na luta por sua conservação, promovendo campanhas pelo tombamento de imóveis, bairros e cidades inteiras.
Deve-se a Zélia Maia Nobre a revalorização de Jaraguá como núcleo urbano histórico de Maceió, assim como o início do trabalho de tombamento das cidades de Marechal Deodoro e Penedo – que conquistaram, ao fim e ao cabo, reconhecimento nacional.
Zélia brigava por suas causas, brigava sorrindo. Era uma combatente alegre, pragmática, persistente. Foi assim até o derradeiro de seus dias, há dois dias. Entrou para a história, merece o tributo de uma Alagoas que sabe, ou deve saber, valorizar seu patrimônio.
Viva a professora Zélia! Glória eterna à Zélia Maia Nobre!
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.