Enio Lins

Como está seu guarda-chuva? Começou o período dos pés d’água

Enio Lins 05 de abril de 2023

“São as águas de março/ Fechando o verão/ É a promessa de vida/ No teu coração”: Nessa quadra, os versos de Tom Jobim – rimados em 1972 – se derramaram pelo Brasil em enxurrada arrebatadora na voz de Elis Regina, a partir de 1974.

As águas de março antecipam e anunciam a chegada da quadra chuvosa a se espalhar, por todo Brasil, de abril a julho, embaralhando a visão quadricromática europeia das estações do clima, aqui tropicalmente resumidas a duas: verão e inverno.

Tropicalientemente, nessas plagas chove e faz sol com alternância constante durante todo o ano, exceção feita nos dias de combinação intensa entre chuva e sol (“casamento de raposa”), e a insolação grassa mais no Nordeste – mas quando chove é pra torar.

No Brasil o inverno é pelo meio do ano, por chover mais, e o verão é no resto do tempo, por chover menos. O sol abrasa o tempo todo. No Sertão, sabe-se, o astro-rei trabalha sem férias nem feriado, chove raramente e o solo só esfria – e muito – na calada da noite.

Nordestinamente, na Zona da Mata e no Litoral, a chuva tem combinação verdejante com o sol, como se vê até nas vastas áreas onde a monocultura espalhou uma monocromia exaustiva, despojando imensos campos dos mil tons das vegetações originais.

Ao fim e ao cabo, com sertaneja exceção, as águas botam pra cair e correr com gosto de gás nesta tal de quadra chuvosa, varrendo o que encontra em seu caminho; daí, a pergunta é: estamos em ponto de bala para receber essa dádiva da Natureza?

Mormente não há preparação. Todo ano a quadra chuvosa desaba “surpreendentemente” na mesma época e, a depender do volume d’água, que varia pra cima em intervalos de cinco ou dez anos, desastres previsíveis se acumulam com regularidade trágica.

Ainda dá tempo, nesse começo de chuvas, de correr para prevenir, seja no privado seja no público. Telhados podem ser arrumados, calhas desentupidas. Bocas-de-lobo podem ser desobstruídas rapidamente, e as margens de rios e lagoas monitorados.

Se seus ouvidos não estavam em pleno funcionamento até agora, é hora ainda de abri-los e escutar o dito pela Defesa Civil, checar a previsão das tais precipitações pluviométricas, e ajustar às agendas pessoais a essas ocorrências perfeitamente esperáveis.

Ah, sim: Tom Jobim compôs “Águas de março” em protesto contra a ditadura implantada em 64, depois de ter sido preso e interrogado por ter participado de uma manifestação pela liberdade em 1971. Assim, toda chuva passa, e sol sempre volta a brilhar.

HOJE NA HISTÓRIA


5 de abril de 1968
– A ditadura militar brasileira proíbe a existência da Frente Ampla, movimento civil criado para defender o retorno da Democracia.

Carlos Lacerda, o maior articulador civil do golpe, lançou a ideia da Frente Ampla em 1966, quando percebeu que não havia espaço nem para civis nem para eleições diretas na agenda dos militares que assaltaram o poder em 1º de abril de 1964.

O ex-governador da Guanabara convenceu os ex-presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart, então cassados e exilados, a formarem a Frente Ampla pelo retorno da Democracia, e os militares responderam decretando a ilegalidade da Frente Ampla e, em seguida, cassando os direitos políticos e prendendo Carlos Lacerda.


Esses três líderes civis morreriam em datas aproximadas, no auge do terror da ditadura, época em que os militares golpistas latino-americanos realizavam conjuntamente a “Operação Condor”, destinada a assassinar oposicionistas em seus países, levantando suspeitas sobre as reais causas dos óbitos: Juscelino Kubitscheck, em agosto de 1976; Jango, em dezembro de 1976; Lacerda, em maio de 1977.