Enio Lins
Desplanejando o solo urbano em Maceió
Agitou o mundo maceioense de urbanistas e paisagistas a proposta de consulta para alterações no chamado Corredor Vera Arruda, tripa solitária de área nem tão verde assim no interior do que um dia foi o “Sítio do Comendador Nogueira”.
Um ótimo debate. Até porque a capital alagoana segue fiel à sua tradição de ocupação desordenada do solo urbano, numa permanente anarquia imobiliária, privada, onde o interesse público jamais é considerado como tal.
Não seria mais importante o debate sobre as áreas de expansão imobiliária que ainda têm chance de uma intervenção que considere, e valorize, o bem público?
Viva a polêmica sobre o Corredor Vera Arruda, sim. Mas e o “urbanicídio” do Litoral Norte? E os tabuleiros – vide região do Benedito Bentes e as fronteiras de Maceió com Rio Largo, Satuba...? E a região estuarina?
Pode-se remediar no que se transformou o Sítio do Comendador Nogueira, sim, assim como mexer em algo do antigo Sítio Jatiúca, ou mesmo o que se chamou um dia de Loteamento Marilu. Destaque-se que o que foi a herdade do comendador é a única área que teve um planejamento urbano decente, e o corredor Vera Arruda é prova e vestígio disso.
Pagar-se-ão preços altos nessas remediações, comprovando a máxima que é “melhor prevenir”. Ode popular ao Planejamento (com maiúscula), avisando ser melhor, e bem mais barato, agir para o futuro do que corrigir o passado.
Nos anos 70 a palavra “Plano Diretor” viralizou em Maceió, como se descobrisse de repente que a cidade nunca teve nada planejado para o futuro, a não ser a avenida que unia o bairro do Farol ao Aeroporto dos Palmares – herança bendita dos americanos em seu período de aquartelamento nessas plagas, por conta da II Grande Guerra.
Pegou fogo o debate sobre o planejamento urbano, estimulado por ocupações impactantes como a instalação da planta industrial da Salgema no coração do Litoral Sul maceioense, beira de praia (e de lagoa) mais valorizada e promissora da capital.
O tal Plano Diretor foi discutido detalhadamente na Câmara Municipal durante a legislatura 1983/1988 e concluído na legislatura 1989/1992. Com propriedade, comemorado como um avanço, e foi mesmo. Entre algumas normas fundamentais, ficou determinada que a primeira quadra da orla praieira teria seis andares como gabarito. Ao se olhar hoje para a dianteira de prédios entre Pajuçara e Jatiúca pode-se ver esse efeito benéfico; por enquanto, pois essa regra, que deveria ser perene, já era.
Nos idos de 1974, um dos grandes arquitetos brasileiros, Sérgio Bernardes, foi trazido à Maceió pela ainda jovem Companhia Industrial de Postes e Engenharia S.A, com a missão de apresentar resultados de sua pesquisa sobre utilização dos postes Cipesa como elementos estruturais para a construção civil. Fez uma bela palestra aberta ao público.
Sérgio Bernades palestrou no auditório do saudoso Produban, e vendeu o peixe dos postes numa talentosa demonstração da versatilidade dos mesmos. Mas, no meio da fala, alertou: “vi os projetos de urbanização das praias de vocês e os achei problemáticos, pois estão colocando as pistas muito estreitas e muito coladas na praia” e desfiou elogios à orla de Maceió, pedindo mais verde, mais áreas de lazer, mais distanciamento do asfalto à areia das praias. O poder imobiliário fez cara de poste.
Sei não... não há como não ver brotar, no Litoral Norte, espigões com dezenas de andares e centenas de apartamentos em cada um e não se lembrar do alerta do Bernardes e fazer perguntas como “para onde estão indo (desde agora) as toneladas de esgoto produzidas?”. Bom, pode ser que o saneamento já tenha chegado lá...
E o tráfego no Litoral Norte? Nem um corredor do tipo Vera Arruda tem ali, e – posso estar errado – mas não tem por lá nenhum projeto privado como o Stella Maris, que imaginou uma longa nesga de terra destinada ao convívio social e ao verde. Sinceramente, espero estar errado nessa suposição ao Norte.
E a outrora moderna urbanização do Dique-Estrada? Muita gente nem sem lembra do que foi construído na orla da Lagoa Mundaú nos idos de 1981 – lembrando um escrito da arquiteta Neu Leão, ali foi construída a primeira (e única) ciclovia alagoana totalmente de acordo com as normas internacionais. Já era. E a “requalificação”, já viram?
Bom, atendendo a uma fértil provocação do arquiteto e artista plástico Pedro Cabral, que sejam debatidas as propostas de mexidas no Corredor Vera Arruda. Com gosto e com profundidade. Mas vamos voltar a debater o resto da cidade, ou o que resta dela. E debater as outras cidades, pois a (des)urbanização não pode continuar a ser um castigo.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.