Alisson Barreto

A sacralidade do corpo humano

Alisson Barreto 28 de agosto de 2022
A sacralidade do corpo humano
A sacralidade do corpo humano - Foto: Alisson Barreto

O corpo humano tem uma dignidade imensurável pelo fato de o homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, bem como tem uma sacralidade inenarrável pelo fato de ser origem produtora e utilizador de objetos sacros. E, em tais atos e fatos, é meio de santificação e sacralização, enquanto se faz santificado pela cristificação.

Primeiro, convém entender o que cristificação, a qual não é um abdicar de sua condição existencial e tornar-se uma mera cópia. A cristificação é o processo pelo qual o indivíduo rompe com todas as cadeias limitadoras do seu potencial de plenitude, o qual só é encontrado na sua perfeitamente restaurada condição de efetiva dignidade de ser criado à imagem e semelhança de Deus.

Por conseguinte, a santificação é chamada de cristificação porque só existe um absolutamente santo que é Jesus Cristo e todo ser humano só pode ser santo por participação na santidade de Cristo, a qual se dá na profunda e íntegra unidade com e no Corpo de Cristo. Dessa forma, o indivíduo humano atinge sua plenitude existencial ao afastar de si toda carga limitadora de seu potencial, ou seja, ao libertar tal pessoa humana das amarras do pecado.

O percurso cristificante ou
caminho de santificação dá-se na ação do amor que transforma o íntimo do coração, tornando-se melhor e mais pleno por amor à pessoa amada. Nisso, note a inclusão dos mandamentos de amar como condição indispensável à almejada condição de plenitude. Ou seja, é amando a Deus sobre todas as coisas que se realizam os três primeiros mandamentos do decálogo; amando ao próximo como a si mesmo que se realizam os sete outros mandamentos do decálogo e é amando uns aos outros como Nosso Senhor Jesus Cristo nos amou e ama que se cumpre o novo mandamento.

Agora, pergunte-se: quem é mais próximo um estranho ou um(a) esposo(a), filho(a), um pai e uma mãe? Ainda assim, muitas vezes parece ser mais fácil amar um estranho, que não nos conhece, a amar um familiar que conhece nossas falhas e debilidades. Também nisso se dá o desafio de amar e a aceitação de tal desafio leva a sair da zona de conforto limitadora pela qual cobrimos nossas vergonhas com as folhas do silêncio e escondemo-nos de nós mesmos para enganarmo-nos achando que estamos ótimos e não temos o que melhorar. E muitas vezes a péssima capacidade de amar o outro é um reflexo da prisão de um “amor” próprio viciado em si mesmo ou mesmo “egolatrar-se”, trocando a adoração a Deus por uma idolatria de si mesmo. Pode também apenas ser uma fuga de realidades ou um apego circunstancial ao prazer, não obstante sempre tem consequências.


Ao mesmo tempo e por outro lado, o fato de o ser humano ser criado como uma unidade de corpo e alma espiritual leva a pessoa humana a poder receber a infusão das virtudes teologais (fé, esperança e amor) e, no uso delas, inventar instrumentos úteis ao louvor, à catequese e à conversão e santificação de outras pessoas. Assim, exsurgiram os objetos sacros, que são objetos inventados para finalidades sacras, como é o caso dos objetos litúrgicos e outros objetos destinados a levar a mensagem cristocêntrica às pessoas por meio de, por exemplo, textos (Bíblia), imagens (algumas esculturas e ícones), sons (música litúrgica e gravações de leituras sagradas) e objetos destinados à oração (terços, rosários, cálices, âmbolas, castiçais litúrgicos etc.).


A questão aqui é, se – em razão de seu uso e finalidade – um objeto pode ter um valor tão enlevado, quanto mais o corpo humano? Ora, Deus criou a pessoa humana e lhe deu uma condição de poder rezar, adorar e glorificar a Deus no agir, no vestir e no posicionar-se. Se uma imagem de um santo pode ser importante por te levar à oração, quanto mais amor e cuidado deve ser dedicado ao joelho, que te leva a ajoelhar-se em adoração; à mão, que tu usas para rezar o rosário; aos olhos, que te guiam na leitura da Sagrada Escritura; aos ouvidos, que te inspiram a ficar de pé para acolher o Evangelho e ao coração, que te leva a rejubilar-se no ato de amar?


A consciência da sacralidade do corpo humano, sobretudo após receber o batismo (uma vez que ali e de uma vez por todas é recebido o Espírito Santo), é importante para a autorrealização do indivíduo em sua plenitude, sem negar sua condição de ser com alma espiritual nem a de ser que tem um corpo. Tal consciência leva a respeitar a si mesmo(a) em sua plenitude de corpo e alma espiritual, como foi criado(a) por Deus.


O respeito à sacralidade do corpo humano conduz à boa vivência da castidade e das demais virtudes, ao desenvolvimento da percepção da dignidade da pessoa humana e à realização do amor. Nessa realidade, o indivíduo conduz-se não só no autodesenvolvimento de suas potencialidades, como também na capacidade de ir ao encontro de outrem, no desenvolvimento da empatia, do amor e do zelo pelas outras pessoas, recordando que todos foram criados por Deus. Criados para uma realidade de plenitude, de amor, dignidade inafastável e autorrealização existencial.


Enfim, é preciso cuidar para que o próprio corpo não seja “prostituído” por desejos viciantes, anseios perturbadores, pressões ideológicas ou mesmo por redes sociais ou interações profissionais alienantes. Se as pessoas se assustam quando falam em vender a alma, por que não se assustam quando se deparam com vender o corpo ou emprestá-lo a um papel ou desígnio de outrem? Acaso a Sagrada Escritura está errada ao dizer que o ser humano é composto de corpo e alma espiritual?


Isso mesmo: o ser humano não é composto de corpo ou alma, mas de corpo e alma. Portanto, não te ames pela metade nem ames a outrem pela metade. É preciso ser íntegro(a) no amor. Até porque o amor é a fonte e a nutrição de todas as virtudes. E virtudes são práticas boas reiteradas e solidificadas do agir bem. De tal forma que a vocação à santidade passa pela resposta do espírito à santificação corporal. E uma sugestão a exercitar esse aprimoramento é evitar o pecado por meio do fortalecimento da consciência e do autodomínio com afirmações do tipo: Não vou perder meu tempo vendo o que não convém aos olhos que se dedicam à adoração e à leitura da Palavra. Colocarei músicas que honrem esses ouvidos pelos quais recebi a fé. Minhas mãos que seguram o terço não serão instrumentos de pecado. Terei mais zelo com esta língua que recebe Jesus na Comunhão. Meu coração foi feito para amar e não vou nutri-lo com coisas más.

Por fim, é crucial reconhecer: se tenho amor pela minha alma espiritual, na ciência de que sou corpo e alma espiritual, devo amar meu corpo. Por tudo exposto, convém honrar a sacralidade do corpo templo do Espírito Santo.