Enio Lins
Um tesouro quase perdido
A Salgema, nos idos de 1991, publicou belos livros sobre a cultura de Alagoas e uma dessas obras memoráveis é “Fundação Pierre Chalita – Um exercício de guarda”. A empresa é a primeira e única a ter uma política de marketing cultural em Alagoas com começo, meio e (infelizmente) fim. Desde o início, sentindo a rejeição de boa parte da cidade (que mais tarde se justificaria pela catástrofe dos bairros em afundamento por conta da extração do sal-gema) investiu no relacionamento com as comunidades locais e deixou um bom legado nesse campo.
Pierre Chalita é o nome mais emblemático em Alagoas para o conjunto de atividades que possam ser entendidas como Cultura: Pintor, Arquiteto, Restaurador, Professor de Artes Plásticas, Pesquisador, Colecionador, Antiquário e Historiador (a seu modo). Ao longo de sua vida, amealhou tudo o que pode em termos de obras de arte e antiguidades que tenham a ver com a vida alagoana desde tempos imemoriais.
Solange Lages Chalita é outra personalidade emblemática das artes e da cultura em Alagoas, esposa e gestora do patrimônio cultural de Pierre, deu forma ao fantástico conteúdo colecionado pelo marido com a criação da Fundação Pierre Chalita, ente que reúne milhares de peças de todos os tipos, com destaque para a arte sacra – mas com expansão de enorme qualidade até a arte moderna brasileira, artes plásticas alagoanas e a própria coleção pictórica, autoral, de Pierre Chalita.
Dificuldades se alevantam para a continuidade dos trabalhos da entidade, especialmente no quesito manutenção do Museu Pierre Chalita. Minguaram os recursos e aumentaram as despesas e, para sacramentar a máxima popular de que “o pão de quem tem fome só cai com a banda da manteiga pra baixo”, há alguns anos desabou parte do telhado do casarão da Praça dos Martírios onde se abrigava, com muito charme, o citado museu. Às pressas, todas as peças tiveram de ser retiradas e deslocadas para um depósito, onde se amontoam até hoje por falta de novo local adequado para guarda e exposição; e a instituição teve de devolver o imóvel além de arcar com os custos de recuperação do telhado avariado, o que quebrou de vez seu caixa. Situação insustentável.
Novas instalações são indispensáveis para a preservação do acervo, em primeiro lugar para salvamento dessa botija frente à própria Natureza, que desgasta e decompõe o que não esteja protegido e, em seguida, para que esse acervo possa cumprir sua função social conforme Pierre (in memoriam) e Solange fizeram valer durante décadas de disponibilização desse tesouro cultural ao público.
Um investimento mínimo se faz necessário e urgente para a rearrumação do patrimônio do Museu Pierre Chalita. A depender dos equipamentos a adquirir para o correto funcionamento das novas instalações, incluindo aí a aquisição de um novo imóvel, o orçamento deve variar em torno R$ 2 ou 3 milhões, quantia razoável em se considerando o valor inestimável das milhares de peças históricas e artísticas que serão abrigadas – e expostas – nesse novo endereço. Representa tal estimativa o equivalente a um ou dois shows de alguma dessas estrelas sertanejas famosas.
O Governo de Alagoas poderia facilmente atender a essa demanda.
A Prefeitura de Maceió poderia facilmente atender a essa demanda.
A Braskem poderia facilmente atender a essa demanda.
Um grão do Orçamento Secreto poderia facilmente atender a essa demanda e sem necessidade de qualquer sigilo.
Ninguém, até agora, está atendendo a essa demanda e um fantástico tesouro alagoano, coleção de incalculável valor artístico e cultural, corre riscos crescentes a cada dia.
Alagoas vai perder esse patrimônio!? Será um crime hediondo para a cultura do Estado. Não é esse o único acervo sob perigo em território alagoano, mas é o mais rico e o em situação mais grave no momento. Voltaremos noutro dia para falar sobre os demais.
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.