Enio Lins
Insistência golpista
Lloyd James Austin III, Secretário de Defesa dos Estados Unidos, veio ao Brasil e deu uma enquadrada geral em seus congêneres locais. O general americano, informa a Wikipédia, foi o “primeiro comandante negro” do Comando Central dos Estados Unidos, vice-chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA e último general-comandante das forças americanas na Operação Iraque New Dawn. Tem currículo de verdade.
Claro recado: o governo americano confia no sistema eleitoral brasileiro e não concorda com os objetivos golpistas bolsonaristas. O secretário Lloyd James, depois da reunião a portas fechadas com o general Paulo Sérgio, ministro da Defesa, fez questão de declarar publicamente, em alto e bom som, que “as autoridades norte-americanos esperam que o Brasil não só realize eleições justas e transparentes como respeite a vontade da maioria da população e preserve a democracia”.
Golpe é desejo explícito e explicitado continuamente pelo atual ocupante do Planalto, mesmo antes das atuais pesquisas lhe mostrarem resultados desfavoráveis. Ser ditador é o sonho confesso do ex-capitão, pretensão dita e repetida várias vezes durante sua carreira de político profissional e apesar dos chamamentos para que “meu Exército” o acompanhe na aventura terem dado um salto de ousadia depois de sua chegada à Presidência da República.
Bolsonarismo é autoritarismo. Os conceitos ditatoriais são externados sem pejo, quer seja pelo mitológico líder, quer seja por liderados, lideradas e liderades. Os poderes constituídos, para essa corrente político-ideológica, são meros acessórios da inconteste liderança central, da mesma forma como foram para o Duce, na Itália, e para o Führer, na Alemanha. Mas no Brasil do Mito – segundo o pensar bolsominion – as instituições atrapalham, impedem o messias de jair fazendo milagres a torto e à direita.
Corrente de pensamento é o que tenta ser o movimento bolsominon. O tosco raciocínio olavista foi experimentado como “base filosófica” de uma confusa colcha de retalhos de pensares reacionários que usa o anticomunismo como um dos ímãs, mas igualmente atrai pela pregação contra os direitos humanos e sociais. Atrai também pela misoginia, pelo racismo, pelo xenofobismo – e atrai até pessoas incluídas como alvos em seu rol de maldades: mulheres, afrodescendentes, gays...
Atacar as urnas eletrônicas é apenas a faceta do momento, mas o sistema democrático tem sido questionado desde sempre por essa “corrente de pensamento”. Em várias ocasiões, antes mesmo da fatídica eleição de 2018, grupos de civis bolsoseguidores amontoavam-se às portas dos quartéis implorando pelo golpe.
Militares bolsominions foram, finalmente, alçados ao poder federal via uma eleição turbinada por uma facada. Levantamento feito pela CNN, divulgado em 17 de julho de 2020, com base em relatórios do Tribunal de Contas da União, indicava que 6.157 militares ocupavam cargos no governo federal contra 1,9 mil em 2018, derradeiro ano da gestão Michel Temer. O resultado pode ser avaliado pela desastrosa gestão do general Pazuello no Ministério da Saúde.
Ficar no poder é a palavra de ordem para as tropas do Jair. E a velha ideia de golpe foi crescendo. Como testes, além das falas presidenciais, aconteceram provocações à cidadania como o injustificável desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios em 10 de agosto de 2021, e o sobrevoo presidencial em helicóptero militar sobre manifestação de apoio golpista em 1º de maio de 2021. Antes, em 31 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi cercado por um grupo liderado pela então bolsonarista Sara Winter, com tochas e máscaras, ameaçando a Justiça.
Ducha fria sobre o sonho golpista foi despejada por Lloyd James, o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, antes mesmo das cartas pela democracia da USP e dos empresários. Mas todo cuidado é pouco, pois é certo que esse pesadelo não acabou ainda.
HOJE NA HOSTÓRIA
31 DE JULHO DE 711 – BATALHA DE GUADALETE, travada às margens do rio de mesmo nome, na atual província espanhola de Cadiz, Andaluzia. Nesse dia os mulçumanos vindos do norte da África e da Arábia, liderados por Ṭariq ibn Ziyad, vencem as tropas do rei visigodo Roderick e avançam até ocupar praticamente toda a Península Ibérica, atuais Espanha e Portugal. Os visigodos (povos germânicos, considerados bárbaros) também não eram nativos daquelas bandas, e dominavam a Hispânia e a Lusitânia desde a queda do Império Romano, em 418. Os islâmicos tomaram conta da região por 721 anos, até 1492, quando os reis católicos Fernando e Isabel os expulsaram. Esse período de mais de sete séculos é considerado um tempo rico, de avanços econômicos e tolerância religiosa, onde cristãos, maometanos e judeus viviam mais harmonicamente que no resto da Europa, cujos povos sofriam os abusos e intolerâncias da chamada Idade Média. Como herança, no lado lusitano, a língua portuguesa ficou enriquecida em seu vernáculo ganhando formatações como a origem da literatura de cordel e, por exemplo, são de origem árabe as palavras começadas em AL. Ah, sim, já ia esquecendo: os islâmicos batizaram e deixaram para sempre em Portugal um nome árabe, Fátima, mulher de grande importância na cultura muçulmana. Fátima era a filha mais influente de Maomé, e viveu entre 605 e 632, e somente a partir de 1917 seu nome se multiplicou entre os cristãos como sendo um dos sinônimos da mãe de Jesus. Que coisa, não é?
Enio Lins
Sobre
Enio Lins é jornalista profissional, chargista e ilustrador, arquiteto, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi presidente do DCE da UFAL, diretor do Sindicato dos Jornalistas, vereador por Maceió, secretário de Cultura de Maceió, secretário de Cultura de Alagoas, secretário de Comunicação de Alagoas, presidente do ITEAL (Rádio e TV Educativas) e coordenador editorial da OAM.